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É muito comum encontrar pregadores e blogueiros criticando as panelinhas na igreja. Tipicamente, a crítica se dirige aos adolescentes e jovens quando se agrupam por afinidades. Alguns jovens, que não conseguem lugar no grupo ou grupos, sentem-se excluídos, e a igreja deve ser sempre um lugar de inclusão onde todos se sentem acolhidos e bem! A reclamação contra as tais panelinhas é, portanto, legítima!
Se você, leitor, veio aqui encontrar mais um para ojerizar as panelinhas na igreja, a qualquer custo, sairá decepcionado... Não tenho nada contra elas; mas, antes de apresentar minha defesa, gostaria de fazer uma ressalva: de qual panelinha estamos falando?
Além de diminutivo para panela, a palavra "panelinha" recebe uma acepção de sentido figurado no dicionário, "um conjunto de pessoas que se reúnem para prejudicar outras" - segundo o Dicionário Eletrônico da Língua Portuguesa da Porto Editora. Sou veemente contra esse tipo de panelinha! Os jovens da igreja não podem se reunir com o intuito de prejudicar o próximo. Mas, se tratarmos o termo "panelinha" nesse sentido mais comum do evangeliquês, não vejo problema algum em adolescentes e jovens se reunirem por afinidades.
Eu tenho uma calopsita, domesticada desde bebê. Foi trazida para nossa casa ainda sem penas. Foi alimentada por mim com papinha numa seringa. Por ser um pássaro de bando, parece-me que fomos tomados por ela como seu bando. Quando começamos a comer em sua presença, ela vai para seu potinho de comida comer também. Por várias vezes, durante a limpeza da gaiola, esquecemos a portinha aberta e, ao invés de fugir, ela sempre voou ao nosso encontro. Algumas vezes, voando do quintal para o interior da casa atrás da gente. Já percebemos que há uma gradação de preferência; se não há ninguém em casa, ela fica com minha filha numa boa; mas, se estou em casa, ela voa do ombro da minha filha para o meu ombro e bica forte se minha filha tentar tirar ela do meu ombro. Mas ela morre de amores mesmo é por minha esposa... É só ouvir a voz da minha esposa no portão de casa pra começar a cantar desesperadamente! E não há quem fique com ela na mão se minha esposa estiver em casa. Se há aparente seleção por afinidade para um animalzinho como uma calopsita, por que não haveria panelinhas na igreja?
Assim como a calopsita, animal que vive em bandos, social em seu comportamento com os outros de sua espécie, o ser humano é um animal social também. Gostamos de viver em grupo, gostamos de ter alguém para conversar, desejamos o convívio. Um dos treinamentos mais difíceis para astronautas de longas viagens são os testes de isolamento. Por que a solitária é punição tão cruel para um preso? Por que o náufrago solitário, interpretado pelo ator Tom Hanks, escolhe conversar com o Wilson, uma bola de basquete? Se nós somos assim tão desesperadamente dependentes do convívio com outras pessoas, pois o isolamento enlouquece, por que não aceitar que haveremos de dar preferência para algumas pessoas e outras nem tanto por simples afinidade? A afinidade, coincidência de gostos ou de ideias entre os indivíduos com quem convivemos, é tão natural quanto a nossa necessidade de convivência.
Pense um pouco... Numa família com muitos irmãos, há sempre dois deles que andam juntos para todos os lados, compartilham segredos que os outros nem suspeitam ou que tendem a ser mais cúmplices um do outro em suas "aventuras". Se assim acontece naturalmente entre irmãos de sangue, por que não haveria panelinhas entre irmãos da igreja?
A tal panelinha, criada por afinidades, está presente também na escola, no trabalho, no bairro ou condomínio, entre vizinhos, no clube de xadrez... Aqui no Brasil, no Canadá, Rússia e Japão. E, pelo jeito, na palestina do primeiro século também! Ou vamos ao púlpito acusar Jesus e seus discípulos de formação de panelinha? Seria “Pedro, Tiago e João num barquinho” ou numa panelinha?
De uma montoeira de discípulos, Jesus escolheu apenas doze. Mas esses formavam uma panelinha tipo classe “platinum”. Entre os doze, esses três do barquinho da Galileia formavam a panelinha “Golden”. Na transfiguração, um dos marcos no ministério de Jesus, quais foram as testemunhas sortudas? Pedro, Tiago e João. Momento ápice do ministério, a oração no Getsêmani, Jesus vai com os discípulos para o lugar, mas puxa para mais próximo a sua panelinha: Pedro e os dois filhos de Zebedeu! Mas, ainda assim, podemos dizer que havia o discípulo “Golden Master Plus”, o discípulo a quem Jesus amava... Se podemos enxergar uma relação de afinidades entre os discípulos e Jesus, como não aceitar que na igreja as pessoas também não se agrupem por afinidades NA-TU-RAL-MEN-TE???
Vejo que a panelinha pode ser um problema realmente, mas acho que as pessoas estão exagerando na dose da crítica e andam também classificando qualquer relação de afinidade como “panelinha deplorável”!
O discurso é típico: “Irmãos, em nosso churrasco de confraternização, observamos que o objetivo não foi alcançado! Os irmãos se agruparam nas panelinhas de sempre!”
Esperar que os irmãos não se confraternizassem no evento, no churrasco ou no bate-papo na saída do culto, em grupos formados por afinidades é querer sonhar com uma igreja formada por pessoas que não existem! É querer projetar na igreja um ideal impossível de ser alcançado. Minha proposta seria apenas aceitar que isso é natural, aceitável e desejável. Uma igreja saudável não é aquela que não tem panelinha, mas aquela que entende que é natural para as pessoas se agruparem por afinidades e que cada indivíduo precisa se enquadrar em sua própria turma. Não criticar o grupo que gosta de conversar sobre teologia quando você acha que teologia é um porre desnecessário! Se você não gosta de teologia, meu filho, não espere por mim. O papo é futebol? Tenho dois motivos pra não fazer parte do seu grupo. São afinidades... Não vou criticar aqueles que curtem conversar sobre futebol. Entendeu? São eles lá, e eu aqui com os meus, e todos são felizes!
Não sei se foi exatamente isso o que meu amigo blogueiro Denis quis dizer com “panelinha sem tampa”; mas concordo com ele, se minha interpretação de sua metáfora estiver correta, que a panelinha fechada é realmente um problema comum. Uma panelinha sem tampa, sem bloqueio, sem impedimento para novos integrantes que compartilham das mesmas afinidades é o recomendável.
Vamos tomar o devido cuidado para não generalizar. Vamos tentar identificar as panelinhas fechadas e as destampadas antes de sair criticando. Vamos louvar as confraternizações saudáveis definidas por afinidades. Combinado?
Autor: André R. Fonseca
Twitter: @andreRfonseca
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10 de fevereiro de 2014
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