Por Hermes C. Fernandes
Basta chegar á reta final do ano, e logo, deparamo-nos com
campanhas que estimulam os fiéis a preencherem algum cartão com os projetos de
fé para o novo ano que se aproxima. No cartão encontramos imagens que atiçam
nossa cobiça: uma linda casa de campo, uma cobertura em frente à praia, um
carro (geralmente, uma Ferrari), um avião representando a viagem tão sonhada,
etc. No fundo, a campanha visa apenas duas coisas: manter a frequência dos
fiéis ao templo durante o período festivo e garantir uma boa arrecadação, uma
vez que o projeto para o ano novo deve ser acompanhado de uma “semente”
especial ou mesmo de uma "aliança" financeira em que o fiel se compromete a dar uma quantia vultuosa para a igreja.
Para
instigar ainda mais os fiéis, pregadores vociferam: Sejam audaciosos!
Não façam pedidos rasteiros. A Bíblia diz que pedimos e não
recebemos porque pedimos mal. Então, em vez de pedir um fusca, peça uma
BMW! Em
vez de uma quitinete, peça uma cobertura luxuosa!
O culto de fim de ano geralmente termina
com todos cantando: "Adeus ano velho, feliz ano novo! Que tudo se
realize no ano que vai nascer. Muito dinheiro no bolso. Saúda pra dar e
vender."
Desta maneira, a igreja contemporânea parece estar em plena
consonância com o espírito deste mundo, colocando-se numa posição antagônica à
proposta subversiva do reino de Deus.
Repare, por exemplo, o que a passagem que tais pregadores
usam realmente diz:
“Pedis e não recebeis, porque pedis mal, para o
gastardes em vossos deleites. Infiéis, não sabeis que a amizade do mundo é inimizade
contra Deus? Portanto qualquer que quiser ser amigo do mundo constitui-se
inimigo de Deus.” Tiago
4:3-4
“Pedir mal” não é pedir pouco, mas pedir com o único objetivo
de satisfazer a si mesmo. De acordo com Tiago, quem assim o faz, constitui-se
inimigo de Deus.
É cada vez mais raro ouvir sermões que estimulem as pessoas a
desejarem ser melhores, mais generosas, solidárias, compassivas. Em vez disso,
elas devem pensar grande, estabelecer como alvo de sua existência algum sonho
de consumo.
Quando fazem um inventário de sua vida de um ano para cá, seu
interesse é saber se estão mais ricas ou mais pobres, se perderam ou ganharam
mais, se conseguiram trocar o carro, sair do aluguel ou coisa parecida. Ninguém
se pergunta se ao longo do último ano se tornou um ser humano melhor, um marido
mais companheiro, um pai mais presente, um filho mais prestativo, etc.
Não estou dizendo que não podemos estabelecer objetivos
materiais ou profissionais. Porém, estes devem ocupar um segundo plano em nossa
vida. Como cidadãos do reino de Deus, nossas prioridades são outras.
Um pouco adiante em seu texto, Tiago diz:
“E agora, vós que dizeis: Hoje ou amanhã iremos
a tal cidade, lá passaremos um ano, negociaremos e ganharemos.” Tiago 4:13
Haveria
alguma coisa errada com tais resoluções? Digamos que priorizemos o ser em
detrimento do ter, isso nos impediria de estabelecer resoluções como estas para
o novo ciclo que se inicia? Creio que não. O problema é que nesta equação falta
um fator essencial. Vou deixar para falar dele um pouco adiante. Vamos, antes, destrinchá-la.
“Hoje ou amanhã” – Sempre temos a mania de
marcar datas, de estabelecer prazos. Se não for hoje, será amanhã, ou quem sabe
depois de amanhã. Mas será que já alcançamos a maturidade suficiente para
atingir tais alvos sem que eles interfiram em nossa essência? Até que ponto
somos tão vulneráveis que nosso sonho de consumo pode nos consumir? Há alvos
que são legítimos, porém, não estamos preparados para atingi-los. Por isso,
prefiro deixar em aberto. Pode ser que seja hoje, amanhã, ou, quem sabe, nunca.
Isso não interferirá em quem eu sou.
“Iremos a tal cidade” – O Rio de Janeiro, bem como
as grandes metrópoles brasileiras, estão tomados de moradores de rua que
deixaram sua cidade natal acalantando o sonho de que lá seria o cenário que
possibilitaria seu sucesso. Conheci muitos brasileiros que atravessaram a
fronteira do México para chegar aos Estados Unidos, acreditando que lá todos os
seus sonhos materiais se tornariam realidade. Conheci advogados que hoje ganham
o seu pão fazendo faxinas. Não há nada de errado em querer mudar de um lugar
para o outro em busca de melhores oportunidades. Porém, não se deve achar que se
vai viver um conto de fadas simplesmente por mudar de endereço. Outros pensam
que só se realizarão se fizerem seu curso superior numa determinada
Universidade. Se não for ali, então, não serve. Enquanto tantas outras portas
se abrem, eles insistem na única que se recusa a se abrir. E assim, a oportunidade
acaba desperdiçada.
“Lá passaremos
um ano” – Conheço tantos que foram pra ficar um ano em algum lugar, e
não ficaram seis meses. Outros foram pra passar seis meses, e ficaram o resto
da vida. Nossa agenda deve ter espaço para eventuais contingências. Nunca se
sabe o rumo que a vida poderá tomar.
“Negociaremos”
– Muita coisa pode ser negociada nesta vida, porém, há outras que são
inegociáveis. A gente negocia o tempo trabalhando num expediente de oito horas
diárias. A gente negocia nossas aptidões profissionais. Trocamos bens por
serviços e vice-versa. Tudo isso é legítimo. Todavia, há quem, em nome do
sucesso, se disponha a negociar princípios e valores que deveriam norteá-lo em
toda a sua jornada neste mundo. Os fins jamais justificarão os meios. Nossa
integridade não pode ser colocada num balcão. Como disse Jesus, “de que adianta
o homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma”(Mt.16:26)?
“Ganharemos” – Ninguém entra
num negócio para perder. Todos almejamos auferir algum lucro. Até aí, tudo bem.
O problema começa quando nossa margem de lucro ultrapassa o limite do bom
senso. Queremos ganhar a qualquer custo. Não importa que saia perdendo. É assim
que as coisas funcionam no mundo. Uns ganham, enquanto outros perdem. No reino
de Deus é diferente. Minha felicidade não pode custar a desgraça de quem quer
que seja. Se eu ganho, todos devem ganhar. E caso alguém tenha que sofrer algum
prejuízo por causa de alguma precipitação minha, que seja eu e não o meu
semelhante (1 Co.6:7). Altruísmo? Não. Justiça.
O texto de Tiago prossegue:
“No entanto, não sabeis o que sucederá amanhã. Que é a vossa vida? Sois um vapor que aparece por um pouco, e logo se desvanece. Em lugar disso, devíeis dizer: Se o Senhor quiser, viveremos e faremos isto ou aquilo. Mas agora vos jactais das vossas presunções; toda jactância tal como esta é maligna.” Tiago 4:14-16
Alguém ainda acredita em previsões de fim de ano? Por
incrível que pareça, há quem lhes dê crédito. Se não, programas de TV não
ocupariam tanto espaço entrevistando videntes, pais-de-santo, astrólogos e
afins. Porém, o fato é que ninguém sabe o que sucederá amanhã. 2014 é uma
incógnita. Quem vai ganhar a Copa? Não tenho a menor ideia. Posso até torcer
pelo Brasil, mas não posso garantir nada. Só sei que, à luz deste texto, nossa
vida não passa de um nevoeiro. Estamos, agora mesmo, desvanecendo.
Este final de semana trouxe fatos que
surpreenderam o mundo dos esportes. Anderson Silva sofre fratura exposta em pleno ringue.
Schumacher sofre traumatismo craniano grave enquanto esquiava, e agora luta para
sobreviver. Fica a mensagem para este final de ano: NINGUÉM É INVENCÍVEL.
É neste ponto que devemos acrescentar à nossa equação
existencial o mais importante fator: DEUS. Em vez de fazer votos fantasiosos
para 2014 e os próximos anos, deveríamos dizer: “Se o Senhor quiser, viveremos e faremos isto ou aquilo”. Parece
até brincadeira, mas este tipo de frase é terminantemente proibido em algumas
igrejas. É como se passássemos um atestado de incredulidade. Ao contrário disso,
dizer “se for da vontade de Deus” expressa total dependência d’Ele e o
reconhecimento de Sua soberania. Isso é fé, não dúvida. E caso não seja, não
serei eu a entrar numa queda de braços com Deus.
Outrossim, deve haver um ponto de equilíbrio entre soberania
divina e responsabilidade humana. E é isso que encontramos na continuidade da
passagem:
“Aquele, pois, que sabe fazer o bem e não o faz, comete pecado.” Tiago 4:17
Atribuir tudo o que nos
acontece à soberania de Deus é uma maneira de driblar a consciência. Não
bastasse usarmos o diabo como bode expiatório, somos atrevidos o suficiente
para usarmos Deus como nosso álibi. “De
que se queixa o homem vivente?”, pergunta o velho profeta, para responder logo
em seguida: “queixa-se cada um dos seus pecados”
(Lm. 3:39).
Podemos reunir os
pecados humanos em duas classes distintas: pecados por comissão e pecados por
omissão. Pecar por comissão é saber o mal que deve evitar e ainda assim,
cometê-lo. Pecar por omissão é saber o bem que deve fazer e ainda assim
desprezá-lo. No balanço da vida, os maiores arrependimentos são daquilo que
poderíamos ter feito e não o fizemos. Ficamos como que presos no limbo do
futuro do pretérito.
Bom seria se propuséssemos
para o próximo ano e para o resto de nossa vida, errar menos e acertar mais. Se
a oportunidade nos vier às mãos, nada devemos temer senão a inércia. Alguns,
por medo de errar, simplesmente cruzam os braços e preferem se omitir. É melhor
falhar tentando, do que falhar por se acovardar. Se sabemos o bem que devemos
fazer, somos indesculpáveis. Sequer precisamos esperar o raiar do novo ano para
fazê-lo. Se temos que pedir perdão, o que estamos esperando? Se precisamos
perdoar, por que protelar? Lembre-se de que somos fugazes como uma neblina.
Portanto, não temos todo o tempo do mundo. Como diz a canção do Lulu Santos: “Hoje o tempo voa, amor. Escorre pelas
mãos. Mesmo sem se sentir que não há tempo que volte, amor. Vamos viver tudo o
que há pra viver.” Então, que tal
fazer aquela declaração de amor que você tem adiado por anos? Que aproveitar a
passagem de ano para distribuir abraços apertados entre os amigos mais
queridos? Que tal repartir seu pão com o que nada tem? Que tal levar mais a
sério as demandas éticas da mensagem de Jesus?
Que
venha o
novo ano! Mas que, com ele, também venha um novo você, capaz de
surpreender a
todos os que julgavam lhe conhecer. Um
ser que seja mais parecido com Jesus, e que não se preocupe em
ajustar-se aos
padrões impostos pelo mundo. Que não se deixe consumir por nenhum sonho
materialista. Que em vez de desejar se dar bem, queira, sobretudo, fazer
o bem e chegar ao fim do próximo ano sem ter tantos motivos de se
arrepender.
Feliz Tudo
Novo!
Fonte: http://www.hermesfernandes.com/2013/12/projeto-de-fe-que-tudo-se-realize-no.html
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