Fator político decisivo na queda do Muro de Berlim, paróquias da antiga Alemanha Oriental sofrem um esvaziamento de suas igrejas. Pastores usam criatividade para atrair seguidores em região onde ateus são maioria.
As igrejas luteranas da parte leste da Alemanha foram fundamentais para o colapso da República Democrática Alemã (RDA), sob regime comunista. Entretanto, elas não lucraram muito com a reunificação, pois nenhuma região do mundo é tão pouco religiosa como a antiga Alemanha Oriental.
O sótão da igreja na pequena aldeia de Nechlin na região de Uckermark, a nordeste de Berlim, se encontra em mau estado. O pastor Ulrich Kasparick reúne-se com funcionários do departamento de conservação do patrimônio público para saber quanto custaria uma restauração. Algumas vigas já estão meio podres. É necessário também ter cuidado na hora de pisar no chão.
"Tivemos uma surpresa na semana passada. Lá na frente, encontramos, escondida, uma granada de mão da Segunda Guerra Mundial. Tivemos que chamar o serviço de recuperação de munições", conta o clérigo luterano. Mas tudo correu bem, e os 700 gramas de explosivo foram eliminadas.
Comunidades envelhecidas
Ex-político do Partido Social-Democrata (SPD) e ex-secretário de Estado no Ministério alemão dos Transportes, Kasparick trabalha há dois anos na diocese luterana de Hetzdorf. O pastor é responsável por 20 localidades rurais, incluindo 11 igrejas e nove cemitérios, como é típico das igrejas rurais do Leste. "Dois terços da população estão já na terceira geração que é socializada sem contato com a igreja", comenta. "Aí nem mesmo o avô sabe mais nada [sobre a fé cristã], então você tem que se ajustar a essa realidade."
A média de idade nas comunidades é de 70 anos. Embora os cristãos da região de Uckermark sejam uma pequena minoria, Ulrich Kasparick se considera um pastor para todos. Ele sabe que os ateus também cooperam bastante quando se trata, por exemplo, da preservação das igrejas locais. E ateu é o que não falta em Uckermark e em outras regiões do Leste alemão.
Sacerdotes na vanguarda da mudança
E foram exatamente os pastores e líderes luteranos a abrir suas igrejas para reuniões políticas na Alemanha comunista, pavimentando o caminho que levou à queda do Muro. Pastores como o atual presidente alemão, Joachim Gauck, na época trabalhando em Rostock; Christian Führer, em Leipzig; e os berlinenses Rainer Eppelmann Rainer e Markus Meckel, contribuíram para a mudança e também se engajaram politicamente na Alemanha unificada. Gauck acabou chegando ao posto máximo do Estado alemão, Eppelmann foi deputado da União Democrata Cristã (CDU) por quase 15 anos e Meckel, por cerca de 19 anos, para o Partido Social-Democrata (SPD).
Apesar do papel de liderança protestante na revolução pacífica que derrubou o Muro, nenhuma outra região do mundo é considerada tão ateísta como a antiga Alemanha Oriental. Mesmo assim, Axel Noack, ex-bispo luterano de Magdeburg e hoje professor na Universidade de Halle, acredita que o saldo foi positivo para a Igreja, embora no início dos anos 90 ainda tenham ocorrido muitas decepções.
"Tivemos que aprender que as experiências que tivemos durante a ditadura pouco servem para nos orientarmos numa sociedade democrática", reconhece, lembrando que, a exemplo do que ocorreu na área política, as Igrejas do Leste tiveram que se subordinar ao Ocidente. Mas hoje, ressalva, ambos os lados se encontram no mesmo patamar.
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Sucessos da reunificação
A Igreja se beneficiou bastante da reunificação, na opinião de Noack. "Nos últimos 20 anos, renovamos mais casas de culto que nos 100 anos anteriores", comemora, acrescentando que as paróquias do Leste têm mais igrejas do que as do Oeste. "E o fato de as nossas comunidades eclesiásticas estarem acostumadas a cuidarem, elas próprias, de seus edifícios, como ocorria no tempo da Alemanha Oriental, faz com que nossas comunidades tenham mais autonomia do que as da parte ocidental."
Bernhard Bock é de mesma opinião. Ele é diácono católico na cidade de Bad Salzungen, no estado da Turíngia, e relata que, quando conversa com alemães ocidentais recém-chegados ao lugar, percebe sempre uma atitude de expectativa e passividade. "Eles não sabem, mas a igreja aqui só funciona se as pessoas colaboram com ela. Eles ainda estão muito apegados a uma Igreja que tem o papel de prestadora de serviços."
Bock reconhece, entretanto, que o sentimento de comunidade se perdeu um pouco com a reunificação. "Antes, as pessoas tinham uma só opinião, até para poderem se distanciar melhor do regime do SED [partido único do regime comunista]. Hoje, tudo é mais pluralista e sem compromisso", lamenta.
Cristãos minguantes
O número de cristãos diminuiu, tanto católicos quanto protestantes. "Não só devido ao êxodo em direção ao Ocidente, mas, principalmente, porque poucas crianças nascem", queixa-se o bispo emérito Axel Noack. Ele acha que crianças são importantes.
"Vemos que, através das escolas e jardins-de-infância, nós levamos temas religiosos às mesas das famílias com uma eficiência que jamais conseguiríamos de outra forma. Conosco, no Leste, a coisa se inverteu. As crianças é que educam os pais. E se houvesse mais crianças, não teríamos mais problema algum."
O ex-político e atual pároco Ulrich Kasparick tenta novas maneiras de atrair pessoas. Por exemplo, criando um jardim de rosas junto à sua igreja. A ideia nasceu na internet, quando ele escreveu em sua página no Facebook sobre a intenção de criar um jardim de rosas. Três dias depois, uma amiga da Finlândia enviou a primeira rosa. De lá para cá, o jardim na pequena cidade de Hetzdorf possui 50 variedades, com forte apoio de gente que antes não tinha o menor contato com a igreja.
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