Este é o terceiro artigo da série “Desigrejados”. No último artigo
apresentamos uma breve analise das tabelas dos censos 2000 e 2010
apresentando os dados acerca da população residente segundo a religião.
Ali, tecemos algumas considerações acerca da impressionante variação do
grupo “religião evangélica não determinada” ou “evangélicos sem vínculo
denominacional” entre os dois censos. Um grupo formado por 9.218.129
evangélicos que experimentou crescimento de 780% no decênio.
Entre estes nove milhões de evangélicos sem vínculo denominacional
estão incluídos diversos grupos. Entre os principais, o formado pelos
evangélicos que decidiram abandonar o modelo tradicional denominacional –
as chamadas igrejas com CNPJ- e buscar formas alternativas de comunhão (Ver discussão AQUI) e o grupo dos chamados desigrejados,
o foco do nosso interesse. Sobre estes, no segundo artigo da série,
tecemos algumas considerações e, com base nos números disponíveis,
terminamos por arriscar uma estimativa para o número de evangélicos
brasileiros desigrejados: Quatro milhões.
Believing without belonging
Estamos,
portanto, diante de uma multidão de mais de quatro milhões de irmãos de
fé que durante algum tempo congregou em igrejas evangélicas, não se
desviou do caminho do Senhor, segue vivendo a sua fé, mas decidiu
fazê-lo sem manter vínculo com nenhuma denominação evangélica e, tão
pouco, aderir a nenhuma alternativa disponível para congregar, entre
outras: igreja nas casas, células, comunidades alternativas, emergentes
ou movimentos de qualquer tipo envolvendo comunhão presencial. A estes
chamamos de desigrejados. Ou como dizem os ingleses, “believing without belonging” (crer sem pertencer).
O que houve com
esta gente toda? Que denominações elas deixaram? O que as motivou a se
“desigrejar”? Muita gente acredita que a maior parte da decepção com a
igreja motivando o “desigrejamento” tem origem no crescimento das
igrejas de modelo neopentecostal e a propagação de suas doutrinas
adoecidas. Neste artigo, vamos levantar alguns pontos e propor algumas
discussões, pois, cremos, a resposta não é tão simples assim.
Não se discute
que a construção doutrinária das organizações neopentecostais esta ali
para atender a uma cultura predominantemente hedonista onde o “cristo” é
materializado nestes locais pelo sacrifício pessoal, não o vicário do
Senhor. O fiel oferece sacrifícios na forma de ofertas em dinheiro,
promessas, jejuns... E, em troca, espera a ação sobrenatural sobre a sua
vida. Ou melhor, investimento feito, “semente plantada” ele DETERMINA a
sua própria vitória (em Cristo?)! Estas pessoas, em geral, estão
fadadas a ser reclamantes no PROCON da fé, mas não são, necessariamente,
os futuros desigrejados.
A maioria dos
que saem pela porta dos fundos dos templos neopentecostais é composta
por aqueles que, de fato, ampliando a metáfora, nunca buscaram a porta
estreita. É preciso ter em mente que boa parte dos que adentram nestes
supermercados de milagres, se encontra esvaziada do menor resquício de
transcendentalidade. Os seus olhos esperançosos estão apontados para o
“grande apóstolo” de carne e osso que tem “moral” com Deus. Os
frequentadores não buscam a face de Deus, mas o milagre negociado pelo
super-ungido a seu favor. O exercício da fé, a disciplina e o
envolvimento estão nitidamente vinculados a uma sucessão de campanhas e
desafios e pouco, ou quase nada, a uma legítima vivência devocional e de
adoração. De maneira que, sem que tenham sido –de fato- separados,
nascidos de novo, os que se decepcionam com este cambalacho religioso,
dificilmente, seguem buscando a Cristo, até porque nunca o fizeram. Não O
conhecem.
Diferentemente,
o desigrejado foi ferido pelo corpo, mas está em Cristo. O perfil do
desigrejado produzido nas corporações neopentecostais é aquele de uma
minoria que, de fato, foi alcançada de alguma forma, apesar de todos os
pesares. É o nascido de novo, o que busca o caminho do obreiro, se
envolve com o ministério, assume liderança, mas que, em algum momento,
entra na máquina de moer gente e é esmagado pela indústria da fé.
De tudo o que
ouvi, acompanhei e vivi com irmãos sinceros, gente de Deus, que saiu de
denominações neopentecostais e retomou o caminho em congregações
vibrantes, com boa doutrina, eu só posso explicar a travessia e o tempo
desperdiçado nestas corporações da fé a partir da experiência do sapo
cozido em fogo brando: O sapo entra na panela com a agua fria e não se
dá conta que a mesma vai esquentando. Morre cozido, sem perceber. Assim é
o crente que se encontra nestas comunidades que perdem o rumo e são
levadas pela corrente da apostasia. Em geral, o incauto quando abre os
olhos leva grande susto e se dá conta da extensão das feridas, das
mentiras e das desilusões.
Felizmente, muitos reconhecem que na gerência da fabrica de desilusões estão homens e não abandonam o Caminho.
Seriam as igrejas neopentecostais as principais responsáveis pelo crescimento dos desigrejados?
Sim. As igrejas neopentecostais são as principais responsáveis pelo crescimento dos desigrejados.
Ademais, as
denominações neopentecostais produzem mais desigrejados em termos
absolutos do que qualquer outro grupo de origem, até porque, o fluxo de
saída de fiéis é um reflexo da enorme afluência na entrada, do
envolvimento e das motivações dos seus frequentadores. Contudo,
apesar de serem muitos os que deixam estas hostes e seguem no caminho do
Senhor, estes são a minoria entre todos os que abandonam as igrejas
neopentecostais.
As igrejas históricas produzem, proporcionalmente, mais desigrejados
O que eu
observo a partir do meu envolvimento com desigrejados e dos testemunhos
deixados no Genizah é que são as igrejas históricas que produzem,
proporcionalmente, mais desigrejados. Surpreso? Então, considere o
seguinte: Sabemos que as principais causas do “desigrejamento”
estão intimamente ligadas às deformações doutrinárias e às estruturas
de governança corrompidas das seitas neopentecostais. Também sabemos que
o desigrejado é um desiludido com a igreja, um ferido pelo Corpo, mas
é, também, alguém que segue caminhando com Jesus. Portanto, é preciso
que esta pessoa tenha, de fato, tido um encontro real com Jesus Cristo e
vivido uma experiência efetiva e significativa de pertencimento em uma
congregação evangélica. E, com isto em mente, é que ao se constatar o
grande número de desigrejados originados de denominações históricas,
logo se verifica que a maior parte é egressa de igrejas históricas que se neopentecostalizaram. É o fermento ruim levedando a massa boa.
As igrejas
históricas sempre produziram os seus feridos. E, para além das chagas
provocadas por incidentes isolados de má liderança, moléstia que nem os
santos estão imunes, como a própria Palavra atesta, sempre sofremos de
um mal endêmico associado aos nossos ambientes repletos de usos e
costumes. Locais reunindo condições especialíssimas em que vicejam a
hipocrisia, o bullying, os julgamentos impiedosos entre os irmãos, os
abusos de liderança, a intromissão dos líderes na intimidade familiar
dos fiéis, os escândalos sexuais, etc. Os crentes mais velhos guardam na
memória as arbitrariedades disciplinares cometidas em nome de um deus
pré-Graça. Portanto, as razões para o “desigrejamento” nas igrejas
históricas são antigas. O que temos agora é uma invasão, de uma
expressão sem precedentes, dos ventos de doutrina originados no meio
neopentecostal no seio das igrejas protestantes.
A disseminação
dos ventos de doutrina nas igrejas histórias ocorre de diversas formas,
com destaque para os dois tipos mais deletérios de ataque: O primeiro é o
ataque furtivo. Ocorre a partir da adoção das práticas do movimento G12
e os seus sucedâneos tupiniquins. As tentações do crescimento rápido,
principalmente em face da “concorrência” do movimento neopentecostal têm
levado comunidades históricas a capitular diante dos métodos da visão
celular – um sistema benfazejo para a propagação de ventos de doutrina.
E, como se não bastasse, um eficiente cavalo de Troia, para a tomada da
congregação por parte de lideranças externas e suas doutrinas
heterodoxas. Não são poucas as congregações batistas, metodistas e
presbiterianas que cederam ao canto de sereia do MIR e do G12! Já a
segunda grande frente de ataque dos “ventos neopentecostais” contra as
igrejas históricas é mais franca e direta, mas não menos letal, e ocorre
a partir de grandes movimentos de líderes poderosos abrindo cisma, como
foi o caso de Silas Malafaia que promoveu a teologia da prosperidade
nas Assembleias de Deus, além de outros modismos.
A herança neopentecostal
O que as igrejas neopentecostais produzem mais não são desigrejados, mas desviados. Gente
que deixou de crer. Gente que ou se perdeu no caminho ou, dizem uns,
gente que nunca pertenceu ao Corpo: Agregados circunstanciais, clientes
da indústria do milagre.
O alvitre
principal das igrejas neopentecostais é a criação de barreiras fortes
para a evangelização. O seu pendor mercantilista está evidenciado nos
meios de comunicação e os escândalos promovidos por seus líderes geram a
repulsa de parte da sociedade pelos evangélicos.
As doutrinas
neopentecostais, em especial a confissão positiva e suas derivadas irão
salgar os campos brasileiros assim como liberalismo teológico o fez na
Europa. As denominações históricas e as comunidades sérias deste país
irão pagar caro pelos anos de complacência, acobertamento e silencio
diante dos excessos dos líderes neopentecostais e suas práticas
mercantilistas. O crescente preconceito da sociedade, também insuflado
pela mídia e formadores de opinião na classe artística e política, cobra
a sua conta em toda e qualquer iniciativa evangelística da igreja.
Sofremos com a crescente perda de credibilidade em todos os níveis e
instâncias... Até na comercial! O próximo passo será dado nas esferas
legal e fiscal. As movimentações no executivo e no legislativo não
parecem muito auspiciosas para as igrejas com C.G.C. É aguardar para ver
o circo pegar fogo.
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