Se olharmos, à luz de algumas palavras proferidas pelo Senhor Jesus Cristo, talvez observemos mais claramente não haver algo mais característico do evangelho que sua simplicidade essencial. Jesus declarou: "São os teus olhos a lâmpada do teu corpo; se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso; mas, se forem maus, o teu corpo ficará em trevas" (Lc 11.34).
Se observarmos o simbolismo dessas palavras, seremos capazes de perceber com clareza a simplicidade do evangelho. Nosso Senhor nos diz que aquilo que o olho é para o corpo, quanto à questão da luz, assim é a alma para o homem; e assimtambém é o indivíduo para a sociedade. Por conseguinte, percebe-se que há no homem algo vital e central. O homem não é mera coletânea e agregado de partes. Em sua vida, há um centro denominado alma, que é tão vital para o seu viver quanto o olho é para o corpo, em relação à luz. Vemos, pois, que o evangelho não tem um ponto de vista mecânico acerca do homem. Existe também aquele poder central, aquela porção vital intitulada alma. É sobre essa porção que precisamos concentrar a nossa atenção.
Com esse simbolismo em mente, vejamos o que o evangelho tem a dizer a respeito da vida. O primeiro princípio é que, face a face com os problemas da vida, há uma só coisa que precisa ser examinada, a saber, o olho, a janela da alma. Por ser o olho a luz do corpo, ele é a única coisa que precisa ser examinada, porque se o olho é bom, então o corpo inteiro é luminoso. Porém, se o olho é mau, o corpo inteiro está mergulhado em trevas. Portanto, tudo depende do olho. A condição do olho é a grande coisa que importa; e nosso Senhor passa a acrescentar uma solene advertência, no versículo seguinte: "Repara, pois, que a luz que há em ti não sejam trevas" (Lc 11.35). Quão magistral é o evangelho, e quão completamente ele nos conhece! Quão direto é ele, em sua abordagem! Ignorando as trivialidades e o que não é essencial, imediatamente chega ao âmago da questão.
Essa simplicidade objetiva é perfeitamente ilustrada em muitos trechos das Escrituras. Pode ser vista, por exemplo, em um incidente que se seguiu imediatamente após nosso Senhor ter proferido as palavras acima. A pedido de certo fariseu, Jesus foi tomar uma refeição com ele, em sua casa, e logo se assentou para comer. Ao observar sua atitude, o fariseu admirou-se por Jesus não ter se lavado, antes de tomar a refeição. Ora, o leitor deve estar lembrado da resposta que lhe foi dada pelo Senhor. Voltou-se para ele e fez uma severa denúncia contra os fariseus, os seus métodos e os seus pontos de vista.
Aqueles que tanto cuidado tinham com o exterior do copo e do prato esqueciam-se do interior de si mesmos, o que éinfinitamente mais importante. Eram técnicos em coisas externas e não-essenciais, mas ignoravam aquilo que mais importava. Conforme Cristo lhes disse, em outra ocasião, apegavam-se à letra da lei, mas ignoravam o seu espírito. Honravam a Deus com seus lábios, mas seu coração estava longe dEle.
Isso pode ser utilizado como um exemplo típico da maneira como o evangelho examina o problema do homem. Preocupa-se exclusivamente com um elemento, a alma. Embora um homem possa estar certo em muitas questões, conforme os fariseus obviamente estavam, de nada adianta isso, se estiver equivocado quanto ao centro de tudo, isto é, a alma. Pois, se o homem se mostra faltoso nesse particular, o que parece luz nada é senão trevas terríveis e tanto mais sinistras, porque parecem ser luz. É o olho, apenas, que interessa. O evangelho conta somente com um teste, a ser aplicado em primeira instância.
Quão lamentavelmente essa verdade vem sendo ignorada nestes dias. Quão diferentes são os testes que os homens aplicam ao problema do homem. Temos esquecido o grande pronunciamento acerca da unidade da personalidade humana. Tendemos por ignorar o homem em si, ao nos interessarmos por suas várias partes, pelas diversas fases de sua vida e de suas atividades. Não é de surpreender, pois, que a humanidade se ache no presente impasse e que todas as tentativasfeitas para curar os seus males sempre redundam em fracassos completos; porque o homem nem ao menos sabe como examinar a situação, quanto menos a maneira de tratá-la.
Quão numerosas são as perguntas feitas pelos homens! Quão amplo é seu campo de investigação, quão irreconciliáveis são as suas opiniões no tocante ao que realmente interessa! Eles continuam a examinar, a pesquisar, a investigar e a aplicar os seus próprios tratamentos; mas o impasse persiste. Alguns, tal como os antigos fariseus, só se preocupam com a aparência externa. O único teste que aplicam é o da moralidade externa e da respeitabilidade. Para outros, talvez, a questão de maior importância é a opinião que se tenha sobre o tema da guerra ou da paz, ou sobre o alcoolismo, a educação ou a moradia. Enquanto as nossas perspectivas sobre essas questões os satisfazem, concordam que somos cristãos; e é extraordinário notarmos o zelo e o vigor, sem mencionar o espírito abrasado e polêmico, com que estão preparados a pregar e a propagar essas perspectivas. Para outros, ainda, a única e vital questão é a nossa inteligência e entendimento sobre certas idéias e princípios filosóficos. Para essas pessoas, antes de tudo e principalmente, um cristão é alguém que concorda com um certo número de proposições filosóficas gerais.
As várias escolas em que os pontos de vista modernos estão divididos são quase intermináveis em seu número. Na realidade, tais pontos de vista são quase tão numerosos quanto os detalhes da lei, acerca dos quais os fariseus antigos eram tão hábeis. O homem, segundo eles, deve estar correto quanto a isto ou aquilo, e nada mais importa.
Que burla total do evangelho! Quão falso é isto para com o seu método! O que se entende é que as várias porções do corpo estão sendo examinadas, mas não o centro, o próprio olho, e este somente. Não obstante, o evangelho conta apenas com um teste preliminar. Não se trata de nossa conduta externa ou de nossas boas ações. Nem se trata de nossa inteligência ou de nossa opinião acerca de alguma questão social. O ponto crucial não é nossa riqueza ou pobreza, nossa erudição ou ignorância.
A questão consiste em uma única coisa. Qual é a nossa posição diante de Deus? À parte de tudo quanto somos e de tudo quanto fazemos, o que dizer a nosso próprio respeito? E o próprio homem, em sua profundeza e em seu centro, o querealmente importa. O motivo é mais importante do que a ação. O invisível é mais importante do que aquilo que se vê. O corpo é mais importante do que a veste. A alma é mais importante do que a própria vida física.
A questão vital, a única realmente importante, é como nos encontramos, quando estamos sós, na presença de Deus. Nosso olho é singelo? É ele claro? A luz de Deus tem penetrado em nosso ser, invadindo-o inteiramente? Esse é o único ponto que precisa ser determinado.
Retirado do livro “Sincero, mas errado” de David Martyn Lloyd Jones
A-BD
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