Foi disputando - e vencendo - o 1º Festival da Música Evangélica, promovido pelo Clube do Guri, na Rádio Gaúcha, que a cantora Sara Araújo (66 anos), se tornou a primeira protestante a gravar discos no Brasil: um compacto simples, que rodava apenas quatro minutos por lado. Era 1965. No Sul, assim como no restante do país, a música evangélica era restrita ao contexto religioso. Cantar na TV, um sonho distante. No rádio, as oportunidades eram restritas às emissoras de cunho cristão ou aos programas das igrejas ou denominações que compravam horário.
"Meu pai era pastor e foi apedrejado porque fez um culto ao ar livre", relembra a cantora. Sara, que se mudou para Goiás acompanhando o esposo, empregado em uma usina de Rio Verde, lembra que passou por dificuldades. "Não tínhamos acesso à TV popular. Naquela época, éramos discriminados", recorda a cantora, que atualmente vive na capital com a filha, a harpista Aline Araújo, depois que o esposo morreu vítima de um acidente de trabalho.
Quase 50 anos depois da gravação do primeiro disco com músicas evangélicas, o cenário parece ter mudado completamente. O gospel explodiu nas rádios e TVs de todo o Brasil. As dificuldades de inserção na mídia ficaram no passado. Hoje, os cantores gospel alcançaram status de estrela e conquistaram espaço na maior emissora de TV do país, historicamente conhecida por sua relação conturbada com os evangélicos.
Em dezembro, os cristãos protestantes e o público secular puderam acompanhar o Festival Promessas, exibido como especial de fim de ano na Rede Globo. A gravação do show, que reuniu artistas do quilate de Ana Paula Valadão, líder do Ministério Diante do Trono (DT), Talles Roberto, ex-integrante da equipe de apoio da banda Jota Quest, e Cassiane, cantora com mais de 30 anos de carreira (leia mais no quadro), contou com a presença de cerca de 20 mil pessoas.
Esse público, porém, representou apenas 10% do total esperado pela GEO Eventos, empresa que organiza o evento junto com a Globo. Diretor responsável pelo Promessas, Luiz Gleiser, em entrevista à Veja, destacou que a emissora, como maior produtora de cultura do país, não pode ficar indiferente à força artística da música gospel. "O Promessas é um passo a mais nesse sentido", definiu.
Ainda no campo do entretenimento, a Globo pode estar preparando uma nova investida, dessa vez usando o carro-chefe da casa: as telenovelas. Líderes do segmento evangélico, como o controverso pastor Silas Malafaia, presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADVEC), já manifestaram o desejo de ver na telinha uma heroína gospel. Se o pedido for atendido, um paradigma – a representação estereotipada dos protestantes nas novelas – pode ser rompido e a relação amistosa com a Globo selada de vez.
Crescimento
A consolidação do gospel veio em 2012. No último ano, o gênero foi classificado como manifestação cultural e incluído na Lei Rouanet, que concede benefício de renúncia fiscal. O reconhecimento parece ter vindo junto com o crescimento do número de evangélicos no país. Em 1990, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), eles eram apenas 9%. Os dados mais recentes, do Censo de 2010, mostram que esse segmento religioso já contempla 22,2% da população .
Em números totais, os evangélicos já são 27 milhões de pessoas, público fiel não apenas ao preceitos religiosos, mas aos cantores do segmento. Tanto que o estilo musical é uma espécie de ilha da bonança em meio ao caos enfrentado pela indústria fonográfica. Dados da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI, na sigla em inglês) apontam que 45% das músicas são consumidas a partir de downloads ilegais e 52% dos discos vendidos são piratas. No mercado gospel, a venda de discos pirateados representa de 10% a 15%.
O braço fonográfico da Globo, a Som Livre, também investiu no filão e lançou um selo gospel. A maior gravadora do país, a Sony Music, também ingressou no segmento. Resta saber se o fenômeno será duradouro ou se a onda gospel sobreviverá apenas mais alguns verões. Sara, pioneira no gênero, vê o espaço conquistado pelos evangélicos com bons olhos. Ela alerta, porém, que os cantores precisam manter o foco do trabalho na mensagem religiosa e não apenas nos resultados comerciais.
"Evangélicos são massa de manobra", critica movimento
O espaço dado aos evangélicos pela Rede Globo, comemorado por muitos pastores e cantores, está longe de ser um consenso dentro do próprio segmento religioso. Para alguns, está claro que a emissora de TV, que costuma tratar os evangélicos de forma caricata, principalmente em suas novelas, percebeu o poder de consumo desse público e investiu em um produto bastante rentável e tradicional no meio gospel: a música.
A tese é defendida pelo Movimento pela Ética Evangélica Brasileira (MEEB), fundado em 2009 pelo teólogo e pastor Paulo Siqueira e pela esposa, Vera Siqueira, que vivem em São Paulo. "Hoje, a Globo precisa da audiência dos evangélicos, e, por isso, tem investido nesse mercado. Mas a emissora precisa da audiência dos seguidores de outras religiões, e não deixa de investir neles também", pontua Vera, que conversou com a Tribuna por e-mail.
Além de São Paulo, outras duas cidades – Rio de Janeiro e Belo Horizonte – possuem núcleos do MEEB, onde há reuniões regulares. O trabalho, porém, é realizado de maneira mais ostensiva pela internet, em redes sociais, como Twitter e Facebook, e blogs diversos, como Pedras Clamam, Estrangeira, Exemplo Bereano, Webevangelista, Desejando Deus, que "reproduzem as ideias e objetivos do grupo, que não é vinculado a nenhuma denominação para manter a autonomia", como explica Vera.
O Festival Promessas, promovido pela Globo e exibido como especial de fim de ano, foi o mecanismo usado pela emissora entrar no contexto evangélico sem fazer alarde, segundo a avaliação do MEBB. O padrão de qualidade, a visibilidade, o livre acesso à programação, além de contratos vantajosos financeiramente com seu braço fonográfico, a Som Livre, são argumentos mais do que fortes para artistas e pastores apoiarem a Globo. "Eles tiveram seus sonhos realizados como no bordão do antigo personagem de Chico Anysio, o Bozó: 'mãe, eu tô na Grobo!'", compara Vera.
Record X Globo
No caldeirão de ritmos e estilos musicais, um ingrediente apimenta a polêmica relação entre evangélicos e Globo: a rivalidade entre a emissora carioca e a Rede Record, vinculada a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), denominação neopentecostal. A batalha entre as empresas e seus donos, Roberto Marinho, já falecido, e o bispo Edir Macedo, tem tons de batalha entre o bem e o mal.
O embate mobiliza personagens diversos, cada qual defende seus interesses. Vera, do MEEB, analisa que a Globo, por estratégia comercial, aproveita-se das rixas entre as diversas denominações para abarcar os artistas gospel criticados pela Record. "O povo evangélico é massa de manobra", sentencia. Fica a dúvida: a Globo se rendeu ao gospel ou o gospel se rendeu ao sonho de aparecer na tela da Globo?
Os astros da Fé
Os artistas evangélicos vão muito além da etiqueta gospel. Os ritmos são variados: pop, rock pesado, forró, sertanejo universitário e até romântico. A presença no rádio, na TV e, claro, nas igrejas, é fundamental para levar as canções gospel às paradas de sucesso. Entre tantos astros e estrelas da fé – o rótulo de adoradores é questionado até mesmo dentro do segmento – a Tribuna do Planalto preparou uma lista com os principais destaques que fazem o cenário Contemporary Christian
Aline Barros
É a joia do mercado. Foi a primeira cantora do segmento gospel a ser indicada – e premiada – ao Grammy Latino, o Oscar da música. Desde 2004, ela já faturou cinco estatuetas, tanto pelo seu trabalho voltado para o público adulto quanto pelas canções direcionadas à garotada. Com 20 anos de carreira, contabiliza mais de 7 milhões de discos vendidos.
Cassiane
Cassiane é profundamente identificada com o público pentecostal e aborda assuntos doutrinários de modo mais ostensivo que seus colegas. Conservadora também no estilo musical, grava ritmos tradicionais como forrós a toadas. Depois de Aline Barros, é a cantora gospel que mais vende discos no país. Estima-se que desde o começo da carreira, nos anos 1980, tenha vendido mais de 5 milhões de discos. E é a maior estrela do selo gospel da Sony Music.
Bruna Karla
Produzida pelo maestro Jairinho, marido da cantora Cassiane, Bruna começou na música ainda na infância, mas consolidou a carreira nos últimos três anos. De voz aveludada, canta baladas açucaradas de adoração e agradecimento a Deus. Tem público variado, que vai do mais conservador - e próximo de Cassiane - ao mais jovem e descolado, próximo de Aline Barros.
Oficina G3
Formado no fim dos anos 1980, é um dos grupos mais longevos do gênero. Misturando guitarras distorcidas ao modo heavy metal com baladas açucaradas, lançou oito discos e se consagrou como um ícone gospel junto ao público mais jovem.
Diante do Trono
O grupo se tornou um suporte de evangelização da Igreja Batista da Lagoinha (IBL), de Belo Horizonte, onde foi fundado em 1997. Excursiona com várias formações, e conta com corpo de baile e coro, além da própria banda. Suas vendas, entre discos lançados pelo próprio grupo e por seus integrantes em carreira solo, somam 10 milhões de cópias.
Regis Danese
Regis, nome artístico de Jose Geraldo Danese, despontou para o estrelato em 2009, com o hit "Faz um milagre em mim", do primeiro disco, Compromisso, que vendeu mais de 1 milhão de cópias. De lá para cá, mudou de gravadora – agora veste a camisa da MK Music, uma das maiores do segmento.
Jotta A
Com apenas 13 anos, o cantor mirim foi contratado pela produtora Central Gospel, do pastor Silas Malafaia depois de se destacar no quadro de calouros do programa Raul Gil. Seu primeiro trabalho, Essência, já vendeu 80 mil cópias e foi certificado com disco de platina. Venceu o Troféu Promessas 2012 na categoria Revelação.
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