O Brasil registrou nos dados
consolidados de 2010 um número impressionante de homicídios, 49.932 – um
aumento de 259% em relação a 1980. O Brasil é – qual a novidade? – um
país violento.
O aumento das taxas de homicídio
no país aumentaram quase que linearmente até 2003, quando começaram a
apresentar eventuais quedas, como a notável queda entre os anos de 2003 e
2007, porém apresentando igualmente número que fazem inveja a qualquer
país em conflito civil.
Para se ter uma ideia, a ONU
calcula que, somente dentro da Síria, devido a uma guerra declarada, já
morreram mais de 70 mil pessoas em dois anos. No Brasil morreram mais de
100 mil, no mesmo período, sem que nenhuma milícia tenha contestado a
autoridade do poder central. Em 2010, por exemplo, morreram 137 pessoas
por dia, em média – número superior ao do massacre do Carandiru (111). E
todos os dias.
Os números absolutos são assustadores – e também o são percentualmente.
Entre 1980 e 2010 – 31anos
portanto – o país perdeu 1 milhão de pessoas para a violência, com cerca
de 70% deles por decorrência do uso de alguma arma de fogo. Em quase 20
anos de guerra na Somália (1982-2000), foram 30 mil mortos. A guerra
civil na Colômbia deixou 45 mil vítimas em 36 anos. A guerra civil de
Angola meio milhão de pessoas em 27 anos. A guerra civil na Guatemala
fez 400 mil vítimas em 24 anos.
As perdas humanas somente no
Brasil equivalem, em média, às perdas humanas nos 12 principais
conflitos armados pelo mundo – incluindo alguns dos mais sangrentos,
como Iraque, Sudão, Afeganistão, Paquistão e República Democrática do
Congo.
Alguém tem dúvida de que trata-se
– não de uma guerra, mas – de uma tragédia humanitária absolutamente
bárbara e desumana? Eu não.
E não adianta tentar argumentar
que o Brasil é um país de dimensões continentais. Trata-se de um notável
falso argumento. O país tem taxas de homicídios por armas de fogo
quatro vezes superiores aos da China, que tem sete vezes mais população
que o Brasil. A Índia, com 6 vezes mais habitantes que o Brasil, tem 12
vezes menos assassinatos com armas de fogo.
E quem são as maiores vítimas por aqui? Pobres, negros/pardos e… jovens.
Enquanto 73,2% dos jovens
brasileiros – 15 a 24 anos – morrem por “causas externas”, entre os
não-jovens essa proporção não chega a 10%. Enquanto 38,6% dos jovens
morrem por homicídios no país, entre os não-jovens essa proporção é de
2,9%.
Os dados do ‘Mapa da Violência’
de 2012, por exemplo – para deixar evidenciado para os que ainda não
entenderam – mostram que entre 1980 e 2010 morreram no Brasil, segundo
os registros do Ministério da Saúde, um total de 799.226 cidadãos
vítimas de armas de fogo. Sendo que 450.255 mil deles eram jovens entre
15 e 29 anos de idade.
Dois em cada três vítimas fatais
das armas de fogo são jovens. Quase meio milhão, e contando. E – na
outra ponta – dos cerca de 26 milhões de jovens e adolescentes entre 12 a
18 anos, menos de 0,2% estão em conflito com a lei.
O Brasil segue um padrão às avessas quando se trata de encerrar – por comparação – um conflito civil de grandes proporções.
Segundo os órgãos internacionais
mais experientes neste tema, você encerra uma tragédia como esta com
três medidas nada simples, porém essenciais: (1) Fim da facilidade de
acesso a armas de fogo; (2) o fim da cultura da violência e do discurso
do ódio; (3) exemplar punição por meio de um processo justo e idôneo e a
reconciliação “entre as partes”, inclusive com a adoção de conhecidos
métodos de ressocialização e entendimento mútuo.
Quando a sociedade brasileira se
depara com um assassinato bárbaro ou uma chacina, entra em pânico.
Morrem 137 pessoas por dia, mas somente quando algo “aparentemente”
grave acontece, queremos resposta.
A tática generalizada é muito
simples: elencam-se estes e outros problemas – falta de controle das
mais de 15 milhões de armas de fogo (registradas e não registradas), a
cultura da violência que dá origem aos motivos fúteis ou aos impulsos, o
baixíssimo grau de resolução dos inquéritos policiais – para, então,
relacioná-los diretamente a qualquer outro motivo menor para tais
crimes.
Como – por exemplo – à maioridade penal de 18 anos.
E o motivo é mais do que óbvio: é
mais fácil criminalizar uma parte vulnerável da população do que
enfrentar as causas do problema já devidamente constatadas. O lobby da
indústria bélica é notavelmente maior do que o lobby a favor das
crianças e adolescentes.
É como se um país em meio a uma
guerra civil sugerisse que as suas crianças-soldado paguem pelos
terríveis crimes contra a humanidade que cometeram, após terem sido
arrancados de suas famílias, escolas, comunidades. Quer dizer, é a mesma
coisa.
Conhecemos muito bem o desafio: a
posição de que devemos ser mais “duros” com as crianças e adolescentes é
um fruto inequívoco desta mesma cultura da violência que, em um ciclo
perverso, mantem reféns pessoas ingênuas, numa espiral de medo e pânico.
O desafio é conhecido, porém nada simples.
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Artigo de opinião, com dados de arquivo pessoal e do mapadaviolencia.org.br. Por Gustavo Barreto, membro do Conselho Editorial da Vírus Planetário.
Artigo de opinião, com dados de arquivo pessoal e do mapadaviolencia.org.br. Por Gustavo Barreto, membro do Conselho Editorial da Vírus Planetário.
SEGUE ENTREVISTA:
Para falar sobre o assunto, a
Fórum entrevistou o advogado Ariel de Castro Alves,especialista em
Políticas de Segurança Pública pela PUC- SP e ex- conselheiro do
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).
Para ele, “reduzir a idade penal seria como reconhecer a incapacidade do
Estado brasileiro em garantir oportunidades e atendimento adequado à
juventude. Seria como um atestado de falência do sistema de proteção
social do País”. Confira abaixo a entrevista da RevistaFórum:
Revista
Fórum – Por que o debate sobre a redução da maioridade penal sempre vem
à tona após crimes contra jovens de classe média como o assassinato de
Victor Deppman?
Ariel de Castro Alves - Os
familiares das vítimas têm todo o direito de se manifestar e
provavelmente se eu estivesse no lugar deles, após ter perdido um ente
querido, também pediria a redução da idade penal ou até pena de morte.
Mas temos que diferenciar a emoção da razão. Racionalmente entendo que
esta não é a solução para a questão da criminalidade infanto-juvenil no
País.
Às vezes também parece que só a
vida de jovens de classe média ou alta tem valor na sociedade
brasileira. Milhares de jovens são assassinados todos os dias nas
periferias e poucos tratam do assunto ou se revoltam e exigem soluções
para os casos. Existe muito oportunismo e demagogia nessas discussões.
Há 17 anos venho me posicionando a
atuando contra a redução da idade penal. Entendo que se trata de medida
ilusória já que o que inibe o criminoso não é o tamanho da pena e sim a
certeza de punição. No Brasil existe a certeza de impunidade já que
apenas 8% dos homicídios são esclarecidos. Precisamos de reestruturação
das polícias brasileiras e melhoria na atuação e estruturação do
Judiciário.
As propostas de redução da idade
penal também são inconstitucionais, só poderiam prosperar através de uma
nova Assembléia Nacional Constituinte. Além disso a reincidência no
Sistema Prisional brasileiro, conforme dados oficiais do Ministério da
Justiça, é de 60%. No sistema de internação de adolescentes, por mais
crítico que seja, estima-se a reincidência em 30%. A Fundação Casa de
São Paulo tem apresentado índices de 13%, mas não levam em conta os
jovens que completam 18 e vão para as cadeias pela prática de novos
crimes.
Essa medida é enganosa, só vai
gerar mais crimes e violência. Teremos criminosos profissionais,
formados nas cadeias, dentro de um Sistema Prisional arcaico e falido,
cada vez mais precoces.
Revista Fórum – De acordo com a legislação atual, quanto tempo o adolescente que atirou em Victor pode ficar preso?
Ariel de Castro Alves - O
Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece até 3 anos de
internação (privação de liberdade). Se o autor do crime sofrer
transtornos psiquiátricos e ficar demonstrada a sua periculosidade
através de laudos e relatórios após os 3 anos, a lei que criou o Sistema
Nacional de Atendimento Socioeducativo, que entrou em vigor em abril de
2012, prevê a ampliação do tempo por prazo indeterminado, transformando
a internação socioeducativa em internação psiquiátrica.
Revista
Fórum – O governador Geraldo Alckmin anunciou que seu partido (PSDB)
vai enviar ao Congresso Nacional um projeto de lei para tornar o
Estatuto da Criança e do Adolescente mais rígido, com penas maiores para
menores. O que o sr. acha disso? Deve-se punir com mais rigor?
Ariel de Castro Alves - Ele já anunciou essa proposta em 2003 e 2012, após momentos de clamor social diante de crimes graves e rebeliões na Fundação Casa, mas ele mesmo não deu sequência. Vejo certo oportunismo e demagogia nesta atitude.
Ariel de Castro Alves - Ele já anunciou essa proposta em 2003 e 2012, após momentos de clamor social diante de crimes graves e rebeliões na Fundação Casa, mas ele mesmo não deu sequência. Vejo certo oportunismo e demagogia nesta atitude.
A questão da ampliação do tempo
de internação é passível de discussão, cabe ao Congresso Nacional criar
uma Comissão Especial e tratar do tema com vários especialistas. Toda
lei pode ser atualizada ou reavaliada, o Estatuto da Criança e do
Adolescente neste item também pode ser, se o congresso e os
especialistas assim entenderem. O que não podemos é ter legislações com
base na emoção e sim pela razão. O clamor popular após esses casos
gravíssimos não contribui com o processo legislativo e abre espaços para
oportunismos. Porém, se o tempo de internação ao invés de até 3 anos,
fosse de 6 anos, possivelmente a Fundação Casa teria 18 mil internos, ao
invés dos 9 mil que tem hoje, tendo mais superlotação e sendo
necessários mais investimentos do Estado.
Já a proposta do governador de
transferir os jovens da Fundação Casa para presídios é totalmente
inadequada. O Sistema Prisional Paulista está com a superlotação acima
dos 100%. Além disso a reincidência passa dos 60% e muitas prisões são
dominadas por facções criminosas. Já a Fundação Casa tem anunciado a
reincidência em torno de 13%. Colocar os jovens num sistema prisional
falido e superlotado só vai aumentar a criminalidade no Estado.
Ao invés de transferir os maiores
de 18 para presídios, é pertinente que existam unidades de internação
específicas aos jovens com idades entre 18 anos até completarem os 21
anos. É uma obrigação do Estado já prevista na lei. Eles não podem ser
transferidos para presídios comuns, já que a medida socioeducativa deve
ser cumprida em unidade de internação e não em presídios comuns. Apesar
dos jovens já terem 18 anos de idade, eles cometeram o ato infracional
quando tinham menos de 18 anos e podem cumprir até 3 anos de internação,
ou até completarem os 21 anos.
Revista
Fórum – Quais medidas seriam efetivas para conter a violência que
atinge níveis absurdos em São Paulo, com altos índices de homicídios por
arma de fogo principalmente nas periferias?
Ariel de Castro Alves - O Estatuto da Criança e do Adolescente gerou muitos avanços nos últimos anos com relação ao atendimento às crianças, mas, ainda, no atendimento aos adolescentes deixa muito a desejar, principalmente nas áreas de educação, saúde e profissionalização. A prevenção, através de políticas sociais, custa muito menos que a repressão. O futuro do Brasil não pode ser condenado à cadeia.
Ariel de Castro Alves - O Estatuto da Criança e do Adolescente gerou muitos avanços nos últimos anos com relação ao atendimento às crianças, mas, ainda, no atendimento aos adolescentes deixa muito a desejar, principalmente nas áreas de educação, saúde e profissionalização. A prevenção, através de políticas sociais, custa muito menos que a repressão. O futuro do Brasil não pode ser condenado à cadeia.
São necessários programas de
inclusão e oportunidades visando à emancipação social dos jovens. Sempre
digo que só com conselhos e atendimentos esporádicos não temos como
convencer o jovem a deixar o envolvimento com o crime. Temos que ter
programas capazes de criar um novo projeto de vida para os adolescentes,
que envolvam suas famílias. Programas com subsídio financeiro, que
ofereçam bolsa-formação, oportunidades de estágios, aprendizagem, cursos
técnicos, empregos, com ações dos órgãos públicos e também da
iniciativa privada.
Quando o Estado exclui, o crime
inclui. Se o jovem procura trabalho no comércio e não consegue, vaga na
escola ou num curso profissionalizante e não consegue, na boca de fumo
ele vai ser incluído. O Estatuto da Criança e do Adolescente tem o
caráter mais preventivo do que repressivo. Se o ECA fosse realmente
cumprido sequer teríamos adolescentes cometendo crimes. É exatamente
pela falta de cumprimento do Estatuto e pelo alijamento de muitas
crianças e adolescentes dos seus direitos fundamentais previstos no ECA é
que temos adolescentes envolvidos com a criminalidade.
A ausência de políticas públicas,
programas e serviços de atendimento, conforme prevê a lei, e a
fragilidade do sistema de proteção social do País favorecem o atual
quadro de violência que envolve adolescentes como vítimas e
protagonistas. Isso só será revertido quando realmente for cumprido o
princípio Constitucional da Prioridade Absoluta com relação às crianças e
adolescentes, o que atualmente ainda é uma utopia. Quem nunca teve sua
vida valorizada, não vai valorizar a vida do próximo. O que esperar de
crianças e adolescentes que nunca tiveram acesso à saúde, educação,
assistência social, entre outros direitos. Muitas vezes não tiveram
sequer uma família efetivamente. E sempre viveram submetidos a uma
rotina de negligência e violência. A negligência, a exclusão e a
violência só podem gerar pessoas violentas.
Em abril de 2012, entrou em vigor
a Lei que criou o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, o
cumprimento desta lei também resultaria num atendimento mais adequado
aos adolescentes infratores no País, com ações qualificadas por parte
dos municípios, dos estados e do governo federal. Mas, ainda, o poder
público tem se omitido no cumprimento desta lei, mantendo unidades de
internação ou programas de atendimento em meio aberto totalmente
inadequado.
Fonte: http://www.hilarioesevero.com/2013/04/a-covardia-da-criminalizacao-juvenil.html
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