A preocupação com o crescimento é legítima e necessária, mas os riscos dessa expansão são muito grandes.
Por Ricardo Barbosa de Sousa em Cristianismo Hoje
Para mim não é fácil escrever um artigo sobre os perigos do crescimento
das igrejas. Primeiro, porque nunca fui pastor de uma igreja numerosa.
Não sei o que isso significa. Segundo, porque a realidade que envolve o
crescimento de uma igreja é sempre muito complexa. Espera-se que uma
igreja saudável, que ensina a Palavra de Deus, evangeliza e faz
discípulos de Cristo, cresça numericamente.
Porém, a saúde e a fidelidade de uma igreja podem levá-la a crescer e
ser relevante, bem como a sofrer e ser marginalizada. No entanto, como o
crescimento e a visibilidade das igrejas despertam grande interesse e o
status decorrente é muito sedutor, o que não acontece quando o que está
em jogo é o sofrimento, a marginalidade e o martírio, gostaria de
refletir sobre os riscos, ou quem sabe, sobre os ídolos, que o
crescimento numérico das igrejas pode apresentar.
A preocupação com o crescimento da igreja é legítima e necessária.
Sempre foi. O desafio dessa expansão envolve afirmar a prioridade da
missão, a centralidade do evangelho, a necessidade de falar para os de
fora, bem como o esforço para ser relevante no contexto social e
cultural, no estabelecimento de alvos objetivos, na importância de
estratégias e no uso correto das ferramentas sociais e tecnológicas.
Embora esta preocupação com o crescimento seja percebida em toda a
história cristã, as mudanças sociais das últimas décadas trouxeram novas
realidades, que precisam ser analisadas criticamente. Há três décadas, a
preocupação dos evangélicos era com a missão integral e a luta por
transformação política e social. A preocupação hoje é com a igreja
local, seu crescimento, e sua presença na sociedade. Antes o foco estava
na esfera pública; agora, na esfera privada da vida comunitária. Antes a
palavra de ordem era "revolução", hoje é "relevância".
A busca por uma igreja relevante abre portas para um novo mundo,
trazendo novos desafios e possibilidades. Por outro lado, abre brechas
para o risco de a igreja se comprometer, muitas vezes sem perceber, com o
espírito desta era. Modernizar e inovar não são um problema em si.
Porém, é preciso olhar criticamente para a forma como se faz a busca por
relevância e de que maneira se lança mão dos recursos modernos de
crescimento. É necessário discernir os riscos que tais ações representam
para o futuro do cristianismo.
A expressão "crescimento" pode ser compreendida em termos quantitativos
(número de membros, orçamento, projetos) e qualitativo (maturidade,
caráter, profundidade). Ambos são importantes, e um não exclui,
necessariamente, o outro. No entanto, o crescimento quantitativo nem
sempre promove um crescimento qualitativo, mas sempre desperta um
fascínio em função da visibilidade e do prestígio que uma grande igreja
proporciona para seus líderes e membros. É aqui que enfrentamos um grave
risco: o de se construir a casa (igreja) sobre a areia e não sobre a
rocha, segundo a parábola de Jesus.
CARACTERÍSTICAS DAS IGREJAS QUE CRESCEM
As igrejas que mais crescem possuem, pelo menos, três características comuns: uso intenso de modernas ferramentas tecnológicas, forte liderança pessoal e uma poderosa marca institucional.
É claro que existem outras características, mas quero me deter nestas
três e refletir sobre os riscos que elas representam para o futuro da
igreja.
A revolução tecnológica da segunda metade do século 20 e deste início de
século 21 mudou o cenário religioso. A busca pela excelência funcional e
por uma comunicação eficiente ocupa o topo das prioridades de muitas
igrejas. Possuímos tecnologia para um bom planejamento estratégico,
música de excelente qualidade, projetos de crescimento eficientes.
O problema é que a tecnologia tem o poder de substituir aquilo que Deus
faz por aquilo que é feito pelo homem. Vivemos o risco de um perigo
semelhante ao que Paulo percebeu na igreja de Éfeso, cujos crentes,
segundo o apóstolo, tinham aparência de piedade e no entanto lhe negavam o poder.
Ter uma boa música, não nos torna, necessariamente, adoradores. Um bom
planejamento estratégico não tem o poder de transformar mentes e
corações. Projetos eficientes não fazem de nós verdadeiros discípulos de
Cristo.
Igreja bem estruturada não é sinônimo de comunhão. A crítica à Igreja de
Laodicéia é de que ela era rica e abastada e não precisava de coisa
alguma. Inclusive de Deus. A tecnologia vem se tornando um substituto para a fé. Mas essa eficiência não substitui o poder transformador do evangelho. Precisamos perguntar: é possível discernir o que Deus está fazendo? O primeiro risco que a igreja enfrenta hoje é o da negação de Deus. Não a negação de sua existência, mas do seu poder.
Uma segunda característica comum é a forte liderança pessoal. A
liderança forte, bem como a tecnologia, em si, não constitui um
problema. O risco está naquilo que nem sempre é percebido. Se a
tecnologia traz o risco de uma igreja sem Deus, a liderança forte traz o
risco de uma igreja sem netos ou bisnetos. Hoje, o que mais atrai os
fiéis a uma igreja, além de sua funcionalidade, é o carisma de seu
líder.
Ao ser perguntado pela igreja que frequenta, a resposta mais comum é "a
igreja de fulano de tal". Essa liderança confere uma posição de destaque
ao membro desta igreja. A pergunta é: igrejas assim sobreviverão à uma
segunda ou terceira geração? Sobreviverão depois que seus grandes
líderes saírem de cena? Sabemos que algumas megaigrejas na América do
Norte entraram em rápido declínio na segunda geração de líderes.
O velho problema da igreja de Corinto se repete: uns são de Paulo, outros de Apolo, outros de Pedro e alguns chegam a dizer que são de Cristo.
O personalismo intensifica o narcisismo, que muda o objeto da adoração.
Tanto na política como na igreja, a figura forte de um líder compromete
o futuro. Vive-se um apogeu glorioso seguido por um rápido vazio e
declínio.
A terceira característica é a forte marca institucional, que a torna
atraente. Aqui vejo dois perigos. O primeiro diz respeito à busca por
relevância. Porém, o que precisa ser relevante, a igreja (instituição)
ou o evangelho de Cristo? É possível ser relevante e, ao mesmo tempo,
comprometido com a verdade? Sem o evangelho e sem a verdade, qualquer
esforço para ser relevante se mostrará, cedo ou tarde, totalmente
irrelevante. A imagem que Paulo usa é a do tesouro em vasos de barro.
Não é o evangelho de Cristo que desperta o interesse de muitos para a
igreja hoje, mas a própria igreja com seus métodos, programas, música e
tecnologia. Isso não é necessariamente ruim. Nem sempre as pessoas serão
atraídas pelos motivos mais nobres. O problema é que o vaso vai se
transformando não só na porta de entrada, mas num fim em si mesmo.
Quanto mais atenção se dá ao vaso, menor valor terá o evangelho.
O outro perigo é a perda da consciência de ser povo de Deus, Corpo de
Jesus Cristo. Algumas igrejas que crescem rapidamente atraem uma
quantidade considerável de cristãos frustrados com suas igrejas de
origem, que ali chegam como a última alternativa institucional de sua
jornada cristã. Envolvem-se com paixão, adquirindo uma forte identidade
com aquele grupo em particular. O problema é que não são mais capazes de
se verem como parte do povo de Deus em uma determinada região ou
cidade, mas apenas como povo de Deus de uma igreja particular. É a
negação do "povo de Deus" e a afirmação perigosa de uma elite religiosa
superior.
CUIDADOS NO CRESCIMENTO
O desafio do movimento moderno de crescimento de igrejas requer alguns
cuidados. O primeiro é o de preservar Deus como Deus na igreja. A
tecnologia pode nos ajudar em muitas coisas, mas não transforma o
coração e a mente caída do ser humano. Só seremos relevantes enquanto
permanecermos envolvidos pelo que é eterno. Podemos usar os recursos
modernos, mas precisamos nos assegurar que o que virá pela frente serão
vidas transformadas pelo poder do evangelho de Jesus Cristo e não
consumidores de programas e entretenimento religiosos.
O segundo cuidado é reconhecer a virtude da humildade. O testemunho de João Batista era: convém que ele cresça e que eu diminua.
Este deve ser o espírito de qualquer líder. Jesus advertiu seus
discípulos em relação ao risco do poder quando disse que entre os
grandes e poderosos deste mundo, o maior manda nos menores. No entanto,
disse ele, entre vocês não será assim. Quando a admiração por um líder
diminui a devoção a Cristo, é sinal de que o espírito desta era já nos
capturou.
O terceiro cuidado é compreender que fomos batizados num corpo. Somos o
povo de propriedade exclusiva de Deus. Adoramos a Deus em uma comunidade
local, grande ou pequena, mas o Deus que adoramos fez uma aliança com
seu povo do qual somos parte. O precioso tesouro foi confiado a um vaso
de barro. Seja este vaso grande e inovador, ou pequeno e discreto, o que
importa é o tesouro confiado a ele, sempre. Se a relevância pertencer
ao vaso, o tesouro será negado à humanidade. É o Corpo de Cristo, todo
ele, que revela a glória do cabeça da Igreja.
Os riscos do crescimento são invisíveis, mas muito grandes. Construir
uma casa sobre a areia sempre foi uma opção atraente e sedutora. Mas
formar discípulos fiéis e obedientes de Jesus Cristo, ensiná-los a
guardarem seus mandamentos e obedecê-los, integrá-los em uma comunidade
de adoração e serviço sacrificial, sempre foi uma tarefa difícil, lenta e
trabalhosa.
Porém, quando vierem as tempestades e os vendavais testando o valor da
fé, esta igreja, edificada sobre a rocha, testemunhará a glória da
verdade redentora de Jesus Cristo.
Fonte:http://blogdopcamaral.blogspot.com.br/2013/08/crescimento-das-igrejas-tres-armadilhas.html#more
12 de agosto de 2013
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Crescimento das igrejas: três armadilhas
1 comentários:
Comenta! Elogia! Critica! É tudo para o Reino!
Considere apenas:
(1) Discordar não é problema. É solução, pois redunda em aprendizado! Contudo, com modos.
(2) A única coisa que eu não aceito é vir com a teologia do “não toque no ungido”, que isto é conversa para vendilhão dormir... Faça como os irmãos de Beréia e vá ver se o que lhe foi dito está na Palavra Deus!
(3)NÃO nos obrigamos a publicar comentários ANÔNIMOS.
(5) NÃO publicamos PALAVRÕES.
“Mais importante que ser evangélico é ser bíblico” - George Knight .
Há alguns anos escrevi em meu blog uma série de artigos sobre esse fenômeno, mais ou menos com a mesma abordagem. Deixo aqui apenas os títulos, quem quiser procure na Internet, pois aqui não é portal de propaganda, mas creio que os debates que propus à época podem enriquecer a discussão.
ResponderExcluirSão eles: "Marketing evangélico", "Feudalismo evangélico", "Numerologia evangélica" e "Zoologia evangélica". Espero ter contribuído para a reflexão do Corpo de Cristo e seu papel nestes dias sombrios.
Abraços,
Georges