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"Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim." – Jo 15.18

23 de julho de 2015

Thalles Roberto e o dilema gospel

thalles1 Thalles Roberto e o dilema gospel
É provável que Thalles Roberto seja o principal nome do mercado musical evangélico surgido na década de 2010. Em cinco ou seis anos de carreira, colecionou discos de ouro e platina, foi indicado ao Troféu Promessas, tocou em ginásios, foi indicado ao Grammy Latino, juntou milhões de seguidores nas redes sociais, enriqueceu financeiramente – enfim, todo o currículo que o universo da prosperidade evangélica brasileira assevera como sinal de “unção”. Com tudo isso, e mesmo se apresentando como “pastor”, Thalles Roberto tem deficiências enormes em expressar-se. Nos últimos meses, suas declarações públicas têm rendido críticas virulentas vindas do circuito cristão, e seus comunicados e seus vídeos de explicação só têm piorado a situação. Você deve se lembrar de quando Thalles disse que bateria em seu filho se este apanhasse na escola, que criava suas crianças para que brilhassem sob os holofotes e não detrás de uma bateria, que aqueles que o criticavam eram todos fariseus, que era um cantor melhor de seus pares, ou, a mais recente, que os evangélicos erravam em não pedir orientação a Deus sobre o melhor momento de sonegar impostos.
Com certa dose de boa vontade e esforço interpretativo, entretanto, dá para intuir o que Thalles quis dizer durante sua apresentação na “Conferência Global 2015: Apóstolos e Profetas – A manifestação dos filhos de Deus” organizada pela denominação Comunidade das Nações, em Brasília, e que se transformou em outra grande controvérsia no ritmo rápido das dezenas de milhares de compartilhamentos da internet.
Thalles subiu ao palco às 20h, encerrando uma programação aberta onze horas antes pelo pastor Lucinho Barreto (sim, o próprio, o mesmo acusado de estimular a intolerância religiosa e apologia à violência). Em um intervalo entre suas músicas, Thalles caminhou à beira do palco e, sobre o tilintar das notas do teclado, anunciou seus próximos passos artísticos. Um álbum chamado Luz dirigido não mais ao público evangélico específico, como o ali presente, mas ao grande público em geral. Disse que recebera orientações específicas de Deus para que saísse do ambiente religioso e que diversificasse a temática de sua música para além dos assuntos de espiritualidade cristã. Não ficou claro em sua fala – nem no vídeo de explicações que ele teve de fazer depois das críticas absolutamente violentas que recebeu – se essa decisão era um desafio artístico ou missional, ou ambos, embora ele tenha mencionado a orientação de ser “luz” fora da igreja, ao mesmo tempo que o ímpeto de ombrear com artistas internacionais como Usher e Ben Harper.
(Peço licença ao leitor para não compartilhar os vídeos originais de Thalles Roberto; deixá-lo falar é fazer campanha contra ele, e eu não estou nessa de campanha contra ninguém. Se você quiser, pode achar facilmente pela web, mas vá por sua conta e risco).
Se você não tem intimidade com o universo dito “gospel” não deve ter entendido nada do dilema de Thalles, tampouco as críticas que ele sofreu, tampouco a controvérsia que se formou entre outros cantores, blogueiros, pastores e até em relação à denominação da Conferência Global, que retirou menção ao show de sua cobertura oficial ao evento. Vou me arriscar a explicar.
O gospel, segundo foi sendo formado no Brasil, não é um estilo musical (muito embora possa ser um conceito musical, de retransmitir os padrões sonoros e estéticos da CCM [a Contemporary Christian music] e do R&B mais anglófilo possível). Também não é uma questão de letra, porque abre espaço para canções de vingança (“Sabor de mel”, da cantora Damares) até adaptações pra lá de livres de histórias bíblicas (“Faz um milagre em mim”, do cantor Regis Danese).  O colunista da revista Cristianismo Hoje, Carlo Carrenho, matou a charada em um artigo de 2010: o gospel no Brasil é uma questão de target. De público-alvo. De circuito. E, claro, de imagem pública. Tem a ver com a gravadora (ou o selo) pelo qual você lança seu disco, com os congressos onde você se apresenta, as marchas para Jesus que você apóia, os troféus Promessa que você coleciona, com o sorriso piedoso sob iluminação celeste na capa do disco, os subprodutos vendidos na Conde de Sarzedas, as entrevistas para revistas e sites dirigidos aos crentes e, naturalmente, os versículos que você compartilha online e com o linguajar repleto de jargões do evangeliquês.
Embora Thalles tenha passado a infância e adolescência dentro de uma igreja evangélica, começou sua carreira musical como cantor de apoio do Jota Quest. Quem conhece um pouquinho do showbiz sabe que músicos de apoio ficam sempre na penumbra, ganham pouco, não têm direito ao mesmo camarim dos artistas e têm ingerência artística próxima de zero – isso em caso de bandas de pop-rock, geralmente mais “tamo junto”; em caso de divas da MPB, por exemplo, os músicos de apoio devem lidar com o diretor musical e nem trocar palavra com a estrela. Bem, Thalles era backing vocal do Jota Quest e, segundo seu testemunho público, conseguiu se deslumbrar com isso. Conheceu as drogas e a promiscuidade e decidiu voltar aos, como se diz, “caminho do Senhor”. Foi aí que ele encontrou fama e fortuna, ganhou fãs, seguidores, curtidores, tornou-se referência, começou a ser debatido e a gerar polêmica, e foi aí que repetiu à exaustão seu testemunho de conversão. É claro que o circuito gospel é condescendente (consumindo o que não consumiria por outro motivo que não a identificação religiosa), mas exige fidelidade. A lógica é simples: se não há identificação artística, apenas identificação religiosa, um cantor que busque ampliar seu espaço de expressão artística está apenas “traindo” aqueles que o sustentaram até então dentro do ambiente da religião.
É por isso que você não viu Roberto Carlos se explicando publicamente porque abandonara as letras sobre carrões e festas para se dedicar a temas românticos, nem porque Brian Wilson nunca precisou gravar vídeos se desculpando com os fãs por não fazer mais canções sobre garotas de biquíni e praia, nem os Beastie Boys metidos num dilema sobre cantar a respeito de farras ou cantar a respeito de valores humanos. Porque artistas de verdade não se movem dentro de targets, mas dentro de suas próprias expressões artísticas, suas próprias inquietações e motivações mais indecifráveis. Fazer arte é justamente a tentativa de expressar essas inquietações.
Nesse sentido, a música dita “gospel” tem, sim, valor musical, porque tem bons músicos, grandes cantores e produtores competentes, mas tem valor artístico em pé de igualdade com, digamos, os jingles de publicidade. É música fácil, de consumo rápido, feita para atingir um determinado público e vender uma certa ideia. É showbusiness, mas não é arte.
O que nos leva, finalmente, à única pergunta que realmente interessa nessa confusão toda: Thalles Roberto é um artista de verdade? Ou é apenas um sorriso carismático a serviço do ambiente religioso pra lá de babilônico do Brasil? Estaria ele ouvindo o chamado mais verdadeiro de sua alma artesã (para usar o brilhante termo de Ervin McManus) ou estaria apenas movendo seu ego em direção a holofotes mais potentes, tapetes mais vermelhos e a paredes de amplificadores mais impressionantes?
Nem seus poucos defensores nem seus muitos detratores podem arriscar a dizer. Talvez nem o próprio Thalles Roberto tenha isso claro – por mais que repita que está apenas seguindo as ordens de Deus. A favor do cantor, é preciso dizer o seguinte: por mais irrisória que tenha sido sua carreira no meio dito “secular”, ele deve ter observado as diferenças entre os bastidores do meio gospel e o do circuito pop, e as maracutaias contábeis e os favores escusos que se pratica Brasil afora em nome de Jesus – especialmente em grandes eventos ligados a grandes prefeituras, se é que você me entende. Alguns amigos cristãos músicos se definem como “aliviados” em suas consciências depois que conseguiram deixar o circuito gospel em favor de algo que pode ser menos religioso, mas pode ser bem menos profanado.
Talvez este seja o grande passo certo de Thalles Roberto em direção a arte, talvez seja seu último suspiro antes de ser estrangulado pela própria vaidade. Talvez o circuito gospel perca um orador que não sabe se expressar, talvez o showbiz brasileiro ganhe um cantor que, como todo artista de verdade, trocou o certo gospel pelo incerto da expressão verdadeira. Seja como for, pela primeira vez, me deu vontade de acompanhar os passos desse cara.
    • Via: R7

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