Por Tim Keller
A razão
bíblica para a eliminação da desigualdade social encontra-se na origem e
destino potencial do homem, assim como no amor universal de Deus pelo
mundo (Jo 3.16; Mt 5.43-48). As raízes da civilização ocidental acham-se
profundamente arraigadas na revelação bíblica de que o homem descende
de um único casal (pai e mãe) e foi criado à imagem de Deus.[1] A
participação comum de toda a humanidade na imago dei significa que todos os homens são herdeiros dos direitos inalienáveis da dignidade e significado intencional. Concordar com Lincoln sobre o axioma de que todos os homens foram criados iguais, mas negar a participação na imago dei significa que, em análise final, não há razão para uma responsabilidade comum entre os homens.
Em vista
de o humanismo socialista ter alcançado poder, embora negando a criação
do homem à imagem divina, a dignidade e igualdade humanas
transformaram-se em simples slogans, muito úteis com fins de propaganda. George Orwell satirizou as consequências do socialismo, rejeitando o fundamento da igualdade em seu livro Animal Farm,[2] Djilas e, mais recentemente, A. Solzhenitsyn, descreveram as consequências históricas da sociedade ideal carente de uma base na criação divina.[3]
A
relevância de longo alcance da verdade sobre as origens humanas é
resumida no mandamento bíblico de amar ao próximo como a si mesmo (Lv
19.18; Mt 22.39). Todavia, o fracasso dos homens em viver como irmãos,
embora a criação os tenha feito para isso, é devido ao egoísmo inerente
que o pecado tornou universal. A substituição de estruturas injustas por
outras mais equitativas só pode, em análise final, ser coroada de
fracasso, a não ser que uma transformação bem mais profunda seja operada
nos homens que as estabelecem e controlam o seu poder. Por essa razão,
os evangélicos devem sempre contender que a primeira responsabilidade da
igreja é a proclamação do evangelho e depender da modificação
espiritual subsequente operada pelo Espírito Santo, a fim de criar uma
comunidade em que o não convertido possa ver um modelo do reino de Deus.
Os
interesses da justiça social devem, portanto, ser sempre mantidos numa
relação subordinada ao evangelismo, que é o meio utilizado por Deus para
restaurar a imagem divina através da habitação interior de Cristo (Cl
3.10). Podemos afirmar com propriedade que o alvo da humanidade é a
“perfeição comunitária”[4] daqueles que se tornaram um Corpo mediante a
ação incorporadora do Espírito Santo (1Co 12.13). O Deus que deu aos
pecadores o seu dom mais precioso, o Filho, não pode aprovar a
indiferença à matéria em que um número incontável de pessoas arrasta sua
torturada existência, aguardando sem esperança que o Reino lhes seja
oferecido. Por essa razão, Jesus Cristo ordena a seus seguidores que vão
ao mundo inteiro e façam discípulos de todas as nações, ensinando-os a
obedecerem a todos os mandamentos que lhes deu (Mt 28.19,20). Enquanto
os liberais socialistas classificam as desigualdades sociais como
criminosos, um insulto ao homem e a Deus,[5] os evangélicos de modo
incongruente parecem aceitar com grande tranquilidade o fato de grande
parte desse mesmo mundo não ter ouvido ainda a mensagem da salvação. Por
outro lado, onde o evangelho foi proclamado e aceito, nova alegria e
esperança substituíram o desespero predominante.[6] Os traços da imagem
de Deus começaram a surgir (cf. Rm 8.28s com 2Co 3.2,18).
______________________
Notas:
Notas:
[1]
A teoria da evolução explica o crescimento do homem pela sobrevivência
ocasional dos mais fortes e aptos. Torna-se absolutamente impossível
argumentar a favor da justiça social humana, caso essa teoria seja
aceita. O conceito do homem proposto por Marx, que negou qualquer
essência no ser humano, foi cuidadosamente analisado por J. Andrew KIRK:
“Se Marx tivesse feito uso de categorias bíblicas para se expressar,
ele teria negado que o homem foi feito à imagem de um Deus pessoal e
infinito [...]; o Homem pertence exclusivamente à matéria”, em
“Significado do homem no debate entre o cristianismo e Marx”,
Theological Fraternity Bulletin, 1974, n. 2. Segundo Marx, o homem é o
agregado de seus relacionamentos sociais (ibid, p. 5), capaz de reflexão
e autorrealização por meio do trabalho e fazendo a história. O homem é
então verdadeiramente homem quando está transformando o mundo natural
(ibid). Reinhold Niebuhr interpretou o “mito” da criação do homem à
imagem de Deus como o paradoxo fundamental da finitude e liberdade. V.
Dennis P. McCANN, Christian Realism and Liberation Theology, Maryknoll:
Orbis, 1981, p. 56.
[2]
New York: Signet, 1954. [Edição em português: A revolução dos bichos,
trad. Heitor Aquino Ferreira, São Paulo: Companhia das Letras, 2007]
[3]
M. DJILAS, The New Class: An Analysis of the Communist System, New
York: Praeger, 1957, 1976, p. 26. Este livro e lançamentos mais
recentes, tais como os livros de A. Solzhenitsyn mostram que um sistema
idealista não é incentivo suficiente para garantir a justiça na
sociedade. Foi agora verificado historicamente que os líderes das
sociedades comunistas têm cometido atrocidades inomináveis na ânsia de
atingir o seu ideal superior. V. ainda, J. A. KIRK, “The Meaning of Man
in the Debate Between Christianity and Marxism” Themelios 1.2, Spring
1976, p. 41-49; 1.3, Summer 1976, p. 85-93.
[4]
Emil BRUNNER, Justice and the Social Order, New York: Harper, 1945, p.
45. Brunner salienta de modo positivo que a comunidade só pode existir
quando há uma diferença. Sem diferença pode haver unidade, mas não
comunidade, a qual pressupõe reciprocidade em dar e receber.
[5]
V. Gustavo GUTIÉRREZ, A Theology of Liberation, Maryknoll: Orbis, 1973,
p. 291ss. [Edição em português: Teologia da libertação, São Paulo:
Loyola, 2000]
[6] A imprensa secular no Brasil relatou esse fenômeno com respeito aos pentecostais em editoriais nas revistas Manchete e Veja.
Por Tim Keller, trecho do 1º capítulo do livro “Justiça Generosa”, lançamento das Edições Vida nova.
Fonte: Voltemos ao Evangelho
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