Por Kevin DeYoung
Após
todo o alvoroço que precedeu o lançamento da obra, Kevin DeYoung lê e
revisa Love Wins [O Amor Vence] - um dos livros mais comentados dos
últimos tempos que trata da existência do inferno e da redenção daqueles
que morreram sem Cristo.
Algumas
pessoas podem se impressionar com a quantidade de versos bíblicos que
Rob Bell usa em sua obra. Mas há menos conteúdo do que a primeira
impressão de nossos olhos. Seguidas vezes, os pilares da teologia de Rob
Bell se sustentam em erros exegéticos. A seguir uma lista parcial de
dez destes erros, que não seguem nenhuma ordem específica:
1)
Bell cita Salmos 65, Isaías, Sofonias, Filipenses 2 e Salmos 22 para
provar que todas as pessoas se reconciliarão com Deus no final. O
que ele não menciona é que algumas destas promessas são feitas ao povo
de Deus, outras são promessas generalizadas de redenção às nações que se
voltarão ao Senhor e outras profetizam que todos reconhecerão que Jesus
Cristo é o Senhor (o que não quer dizer que todos terão a fé que salva)
no último dia. Nenhuma destas passagens embasa aquilo que Bell defende.
2)
Bell lista várias passagens que citam uma restauração no final dos
tempos – Jeremias 5, Lamentações 3, Oséias 6 e 14, Sofonias 2 e 3,
Isaias 57, Joel 3, Amós 9, Naum 2, Zacarias 9 e 10 e Miqueias 7 (pp.
86-87). Qualquer pessoa familiarizada com estes profetas sabe que
eles sempre concluem sua profecia com uma promessa de uma bênção futura.
E qualquer pessoa que conhece estes profetas deve saber também que
estas promessas são para o povo de Deus que está sob Pacto, nas bases da
fé e do arrependimento, cumpridas em Cristo.
3)
Bell parece ver que tais promessas de restauração estão atreladas a um
Pacto, e faz uma ginástica exegética para provar que a restauração não é
somente para o povo de Deus. Ele cita Isaias 19, onde está
profetizado que um altar ao Senhor será levantado no meio da terra do
Egito. Bell conclui que nenhuma falha é permanente em seus efeitos e que
suas más consequências podem ser corrigidas (pp. 88-89). Mas Isaias 19
não tem nada a ver com oportunidades pós-morte de arrependimento. O
texto fala do plano de Deus para humilhar o Egito, onde o povo de Israel
clamou a Deus por libertação. “E ferirá o Senhor aos egípcios;
feri-los-á, mas também os curará; e eles se voltarão para o Senhor, que
ouvirá as súplicas deles e os curará.” (Isaias 19:22). Deus nunca
prometeu que toda a nação do Egito seria salva. O que ele realmente
promete, assim como os profetas fizeram por várias vezes, é que se eles
clamassem ao Nome do Senhor, ele teria misericórdia deles. Não há
nenhuma indicação de que isso ocorreria no além.
4) Bell não faz o menor esforço para entender João 14:6 em seu contexto. Depois
de reconhecer que Jesus é o caminho, a verdade, a vida e o único
caminho para o Pai, Bell rapidamente acrescenta: “O que ele não diz é
como, ou quando ou de que maneira funciona o mecanismo que leva as
pessoas a Deus por meio de Jesus. “Ele sequer diz que aqueles que vêm ao
Pai por meio de Jesus saberão que estão chegando ao Pai exclusivamente
por meio dele. Ele simplesmente diz que tudo o que Deus está fazendo
para conhecer, redimir, amar e restaurar o mundo está acontecendo por
meio de Jesus” (p. 154). Até mesmo uma lida superficial de João 14 nos
mostra que a conclusão no verso 16 se refere à fé. O capítulo começa
dizendo “credes em Deus, crede também em mim.” O verso 7 fala a
respeito de conhecer a Deus. Versos 9 e 10 explicam que vemos e
conhecemos o Pai ao crer que Jesus está no Pai e o Pai está nele. Versos
11 e 12 falam sobre a fé, novamente. Ir ao Pai por meio de Jesus
significa ir ao Pai por meio da fé em Cristo. Essa interpretação se
alinha com o propósito do Evangelho de João (Jo 20:31).
5)
Bell pensa que a pergunta do homem rico: “Que devo fazer para herdar a
vida eterna?” não tem nada a ver com a vida após morte. Ele não está
perguntando como chegar ao céu depois que morrer (p. 30). Ele
simplesmente quer saber como participar das coisas boas que Deus fará em
um mundo vindouro (pp. 31, 40). Novamente, Bell ignora todo o contexto
que aponta para o contrário daquilo que ele defende. Levando em
consideração que a ressurreição era tema de debate nos dias de Jesus
(ver Marcos 12:18-27), o jovem rico provavelmente está dizendo: “Como posso ter a certeza de que serei salvo no dia da ressurreição final?” Ele está pensando na vida após morte. Por isso ele usa a palavra “herdar” e Marcos 10:13-16 dá uma resposta aos questionamentos de Bell acerca de “quem entrará no Reino”.
Além disso, o verso 30 deixa claro que algumas das bençãos resultantes
de seguir a Jesus virão na vida porvir – aquilo que Jesus se refere como
“a vida eterna no mundo vindouro.” Se a vida eterna é
equivalente ao mundo vindouro (p. 31), então Jesus é o mestre da
redundância. Mas os dois termos não são idênticos. Vida eterna aqui
significa vida que dura para sempre.
6) Bell coloca bastante ênfase nas passagens em que Paulo fala sobre disciplina.
Paulo entregou Himeneu e Alexandre a Satanás para que aprendessem a não
blasfemar. Ele disciplinou um homem em Corinto para que seu espírito
pudesse ser salvo no dia do Senhor. Portanto, conclui Bell, as falhas
não são permanentes (pp. 89-90). Mas declarar o propósito e a esperança
da disciplina (como fez Paulo) é uma coisa; supor que o arrependimento
ocorreu de fato, é outra coisa; e pensar que qualquer coisa neste texto
nos dá uma brecha para crermos em um arrependimento pós-morte, é deduzir
algo que o texto não diz.
7) Às vezes, Bell simplesmente ignora os versos que contrariam sua tese.
Ao dizer que devemos ser muito cuidadosos ao julgar de maneira negativa
o destino eterno das pessoas, Bell cita as palavras de Jesus em João
3:17 que dizem que “ele não veio para julgar o mundo, mas para salvá-lo.”
(p.160). Estas palavras, de acordo com Bell, são “um mistério
gigantesco, expansivo e generoso”, que nos levam a esperançosamente
concluir que “afinal, o Céu é cheio de surpresas.” As especulações
universalistas de Bell teriam sido silenciadas de forma significativa se
ele continuasse lendo as palavras de Jesus no verso 18: “Quem crê nele não é condenado; mas quem não crê já está condenado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus.” Igualmente, de acordo com João 3:36 “quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, porém, desobedece ao Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus.”
8 ) A visão que Bell tem de Apocalipse é tão superficial que ignora as duras passagens que ele não quer enxergar.
Bell explica que Apocalipse é um livro escrito pelo povo de Deus em
tempos em que estavam sendo perseguidos. Portanto, o livro descreve
várias coisas erradas sendo corrigidas e pessoas prestando contas por
seus erros (p. 112). Mas ele diz que “a carta não termina com sangue e
violência” (p.112). Termina com o mundo permeado pelo amor de Deus
(p.114). Não se trata de um mau resumo, mas os três pontos que ele
extrai desta narrativa são problemáticos. Primeiro, ele explica os
julgamentos recordando-nos de que as pessoas sempre rejeitam o amor e a
alegria em frente deles e “escolhem viver os seus próprios infernos
pessoais, todo o tempo” (p. 114). Mas até mesmo uma leitura superficial
de Apocalipse nos mostra julgamentos severos sendo decretados
diretamente do trono de Deus. Eles são derramados de taças sobre toda a
terra. Cristo vem em um cavalo de guerra com uma espada afiada em sua
boca. O texto não diz que os ímpios estão sofrendo em vida pelas más
decisões que tomaram. Eles lamentam porque aquele a quem eles
transpassaram está voltando nas nuvens para exigir sua recompensa
(Apocalipse 1:7).
Segundo,
Bell sugere que talvez os portões do inferno “nunca se fecharão” porque
novos cidadãos continuarão chegando na cidade até que todos sejam
reconciliados com Deus (p. 115). Esta interpretação claramente se
contrasta com o resto de Apocalipse 21 e 22, que enfatiza várias vezes
que haverá pessoas anátemas que serão deixadas para fora da cidade
(21:8, 27; 22:3, 14-15, 18-19). O tema do julgamento divino está bem
claro no final do livro. Além disso, aqueles que passarão pelo
julgamento serão jogados no lago de fogo, onde o tormento é eterno
(20:10; 21:8). Em nenhum lugar vemos a ideia de uma segunda chance
pós-morte; tudo indica que haverá um julgamento irreversível decretado
sobre cada alma no final dos tempos.
Terceiro, de acordo com Bell, o anúncio “Eis que faço novas todas as coisas” sugere
novas possibilidades. Consequentemente, isso indica que devemos deixar
as portas abertas, pois o destino eterno de cada pessoa ainda não foi
determinado (p. 116). Novamente, esta suposição não encontra nenhum
respaldo no texto, onde as coisas novas do céu se referem a um novo
estado de santidade, um novo mundo, uma nova existência livre de dores, e
uma nova proximidade com Deus. O céu não se fará novo porque as pessoas
que estão no inferno terão uma segunda chance para se arrepender.
9) O que Bell faz com Sodoma e Gomorra deveria arrepiar até mesmo seus defensores mais ferrenhos.
Na verdade, tal abordagem gera dúvidas quanto ao interesse de Bell em
estudar o texto de maneira séria. Embasado em Ezequiel 16:53, Bell
argumenta que, uma vez que o destino de Sodoma será restaurado, o
destino eterno de todos será igualmente restaurado (p. 84). Deveria ser
óbvio, porém, que a restauração descrita em Ezequiel é da cidade de
Sodoma, não dos indivíduos que nela habitavam e que já foram julgados em
Gênesis 19. As pessoas que foram julgadas com fogo e enxofre 1500 antes
não estavam tendo uma segunda chance para o arrependimento após a
morte. Somente a cidade será restaurada. Além disso, o propósito da
restauração de Sodoma é envergonhar Samaria (Ez 16:54), para que esta
cidade pagasse pela abominação de seus atos (Ez 16:58). Isso não se
encaixa com a visão que Bell tem de Deus e do julgamento. E se isso não
fosse suficiente, suas outras opiniões sobre Sodoma são ainda piores.
Porque Jesus disse que haveria menos rigor para Sodoma no dia do juízo
do que para Cafarnaum (Mateus 11:23-24), Bell conclui que há esperança
para todas as outras “Sodomas e Gomorras” (p. 85). Bell se utiliza de
uma passagem sobre julgamento – o julgamento de Cafarnaum que, de tão
ruim, será pior do que o de Sodoma – para embasar seu universalismo. As
advertências de Jesus não falam nada sobre uma nova oportunidade para
Sodoma. A escritura fala sobre o triste destino da incrédula Cafarnaum.
10)
Não nos surpreende que Bell frequentemente recorre às promessas paulinas
em Efésios 1 e Colossenses 1 de que Deus está reconciliando ou unindo
todas as coisas em Cristo (p. 149). Estas são as passagens favoritas
dos universalistas, mas elas não transmitem o significado que o
universalistas desejam que elas tenham. Vejamos Efésios 1, por exemplo.
Paulo disse que o plano de Deus na plenitude dos tempos é o de unir
todas as coisas em Cristo, coisas no céu e na terra (Efésios 1:10). A
palavra grega traduzida como “unir” é longa: anakephalaiōsasthai.
Quer dizer somar, reunir em um ponto central, juntar. É como um autor
finalizando o ultimo capítulo de seu livro, ou um maestro conduzindo uma
orquestra da cacofonia à sinfonia. É uma promessa gloriosa, já iniciada
em alguns aspectos pela Palavra de Cristo. Mas concluímos pelo resto de
Efésios que Paulo não espera que todas as pessoas se reconciliem com
Deus. Ele cita os filhos da desobediência e filhos da ira no capítulo 2.
No capítulo 5 ele deixa claro que a imoralidade sexual e a avareza não
têm lugar no Reino de Cristo. Em Efésios 5:6 ele adverte que a ira de
Deus vêm sobre os filhos da desobediência. A união de todas as coisas
não implica na salvação de todas as pessoas. Quer dizer que tudo no
universo – céu e terra, o mundo espiritual e o mundo físico – será,
finalmente, submetido ao senhorio de Cristo, processo no qual alguns
estarão louvando alegremente seu amado Salvador, e outros encontrarão a
justa punição por sua perversão. No final, Deus vence.
Conclusão
Uma
última consideração a respeito da exegese de Bell: Bell tem a reputação
de ser brilhante e criativo, e provavelmente é em certos aspectos. Mas o
modo como usa a Bíblia não demonstra nenhuma destas características. Na
verdade, sua abordagem é ingênua e rasa. Ele simplifica todas as
coisas, seja para fazer a teologia tradicional parecer ridícula e
inconsistente, ou para construir toda uma teologia em cima de um texto
fora de seu contexto. Não se esforça para interpretar metáforas, gênero
literário ou simbolismos. Não faz o menor esforço para harmonizar sua
teoria a qualquer passagem que possa comprometer sua nova interpretação
da Bíblia. Ele ama a tradição judaica, mas demonstra pouca familiaridade
com o enredo e o formato do Antigo Testamento. Seu estilo pode ser
atraente para alguns, mas leia as passagens com seus próprios olhos,
utilizando-se de uma Bíblia de estudo respeitada ou um comentário
bíblico básico. Você passará a questionar seriamente a maneira como Bell
se utiliza das Escrituras.
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Revisão Completa: The Gospel Coalition
Tradução: Pão & Vinho
Fonte: Resistência Protestante
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