Por Maurício Zágari
Sou jornalista e passei ao longo de minha carreira por três dos principais veículos de comunicação do país, sendo dois jornais e um a maior emissora de televisão brasileira. Há alguns anos decidi não ler mais jornal, cancelar minha assinatura da revista jornalística que eu consumia semanalmente e parar de assistir a TV, pois a quantidade de mentiras, notícias manipuladas e até inventadas de acordo com os interesses de alguns me fizeram um cético com relação à imprensa. Se eu fosse contar aqui tudo o que vi e vivi nos 13 anos em que trabalhei na grande imprensa você provavelmente também pararia de assistir a telejornais, por exemplo. Há mais verdade nos filmes B de zumbis, por exemplo, do que em muitas reportagens de programas aparentemente “jornalísticos”.
Lembro de um colega que, em sua primeira semana trabalhando como crítico de cinema num dos maiores jornais do país (e que ainda não conhecia as “regras do jogo”), escreveu uma critica ruim de um filme horrível estrelado por uma famosa apresentadora de programas infantis. Foi honesto. Só que ela é uma das estrelas das organizações das quais faz parte o jornal. Tadinho. Aos berros, foi obrigado pelo diretor de redação, na frente de todos, a mudar o texto e… elogiar o filme! Eu mesmo vivi situações assim. Lembro que saí muitas vezes para fazer reportagens com um fotógrafo veterano que é considerado um dos maiores do país (com livros publicados, que faz exposições etc) e o vi com meus próprios olhos simular fotos falsas para elas darem ibope e serem publicadas na primeira página (e foram), em situações completamente mentirosas. Ele arrumava o “cenário” e clicava. Sua cara-de-pau me deixava de queixo caído. Também vi repórteres consagrados inventarem depoimentos fictícios de pessoas que não existem para compor suas reportagens porque estava chegando a hora de fechar o jornal e eles ainda não tinham conseguido quem desse uma entrevista. Tenho amigos que pediram demissão da que é considerada a mais importante revista do país porque não aguentaram mais o tanto que seus textos originais foram distorcidos pela chefia por interesses políticos e econômicos: falas de entrevistados eram reinventadas e publicava-se o que pessoas não tinham dito. Isso entre milhões de episódios. Mas há um que eu mesmo vivenciei e considero emblemático sobre o jornalismo brasileiro.
Eu era um jovem e idealista estagiário que achava que o jornalismo era o grande fiscalizador da sociedade, a grande ferramenta para mudar o mundo. Trabalhava na editoria Internacional de um desses grandes jornais. Num plantão de fim de semana me escalaram para fazer uma matéria de esportes: jogo do Flamengo contra Corinthians no Maracanã. Minha pauta: o vestiário do Corinthians após a partida e uma coluna onde pegava o depoimento de alguém e transcrevia ao pé da letra (entre aspas) o que ele achou do jogo. Entrevistei Branco, o jogador que foi campeão do mundo na Copa de 1994 (na foto, à esq.). Gravei seu depoimento, fiz o que tinha de fazer e voltei à redação. Escrevi o texto do vestiário e transcrevi tudo (TUDO!) o que Branco dissera, para a tal coluna. Pronto. Dever cumprido. Estava só esperando minha hora de ir embora quando um redator (que hoje é bem conhecido e respeitado por participar dessas mesas redondas de domingo na TV) me chamou e disse que precisava crescer o depoimento de Branco porque um anúncio tinha sido cancelado na página e o espaço estava sobrando. Eu lhe disse que tudo o que o jogador dissera eu já tinha transcrito, que não havia mais nada a acrescentar. Ele sorriu e respondeu: “Ah, é?” e… começou a tirar de sua própria cabeça um monte de coisas, escrevendo como se Branco tivesse dito o que não disse! Cresceu umas oito linhas de texto. E deu enter no teclado, liberando a página para a gráfica. Lembro que eu olhava aquilo estarrecido. O redator, veterano, olhou para mim, viu meu espanto e disse rindo a frase de que nunca me esquecerei:
- Zágari, se o leitor soubesse como nós fazemos o jornal ele não leria.
Aquilo foi o embrião da minha grande decepção com o jornalismo. Mas também penso uma coisa. Vi muitos bons profissionais em ação. Repórteres competentes correndo atrás da verdade de fato (mesmo que depois de terem escrito suas matérias a chefia do jornal tenha mudado tudo conforme seus interesses). Gente do bem, que preferia dizer ao chefe “não tem matéria, o assunto morreu” do que inventar algo pela vaidade de ter seu nome assinado nas páginas no dia seguinte. Ou seja: não é porque vi péssimos profissionais fazendo o que há de pior dentro de seu péssimo jornalismo que vou achar que todo e qualquer jornalista é mentiroso, manipulador e canalha. Muitos são. Alguns não.
E por que estou falando tudo isso num blog que tem como meta refletir sobre as coisas de Deus? Porque há uma analogia bastante pertinente em nossos dias com um título eclesiástico: “bispo”. Muitos são os homens que assumiram para si o título de “bispo” dentro da Igreja evangélica porque… bem, simplesmente porque quiseram. Em grande parte, são homens (e mulheres) envolvidos com escândalos, com arrecadação indevida de dinheiro, com tudo o que há de mais réprobo na História atual do protestantismo no Brasil. Para mim, o que falam e praticam inclusive os desqualifica como evangélicos, muito mais como cristãos. O inferno certamente receberá alguns desses “bispos”.
A questão é que, por causa dessa banda podre, o título em si do bispo tem sido desqualificado como um todo. E os bons e autênticos bispos têm sido atacados porque… são bispos! Do mesmo modo que presenciei jornalistas calhordas em atividade calhorda debaixo do meu nariz, vejo “bispos” calhordas simularem um falso protestantismo calhorda sob o nariz da sociedade e com isso a lama salpica todos os evangélicos – e todos os bispos. Mesmo os autênticos.
E isso é uma injustiça histórica. Vejo nas redes sociais gente desinformada ou ignorante historicamente baixando o sarrafo no título (e aqui não quero tratar de quem se chama “apóstolo”, “patriarca”, “semideus” ou o que for – quero falar só sobre o episcopado). A questão é que o título “bispo” é legítimo. É bíblico. Pode ser usado. E se você nunca estudou nada sobre isso deixe-me te situar historicamente, para além dos escândalos da atualidade.
O cargo eclesiástico de “bispo” é encontrado já em passagens bíblicas. Como, por exemplo, 1 Timóteo 3.2 (“É necessário, portanto, que o bispo seja irrepreensível, esposo de uma só mulher, temperante, sóbrio, modesto, hospitaleiro, apto para ensinar) e Tito 1.7 (“Porque é indispensável que o bispo seja irrepreensível como despenseiro de Deus, não arrogante, não irascível, não dado ao vinho, nem violento, nem cobiçoso de torpe ganância”). É importante ressaltar que, biblicamente, o que esse cargo especifica é a função de um certo irmão dentro da organização da igreja, e em nada o torna mais divino do que qualquer outro de sua família de fé – em razão do sacerdócio universal dos santos. Há sobre um autêntico bispo, como há sobre qualquer líder divinamente comissionado, uma capacitação especial do Senhor para dar direção ao rebanho. Mas Deus não deu a ele uma auréola, deu, isto sim, uma função de liderança, que exerce conforme foi vocacionado a fazer.
A palavra “bispo” vem do grego επίσκοπος e tem como significado original “inspetor”, “supervisor”. É um vocábulo que vem de antes do surgimento do Cristianismo, quando o título era usado para designar todo tipo de administrador. E isso nas esferas civil, financeira, militar e judiciária. Foi adotado por diferentes tradições cristãs, desde a Igreja primitiva até os nossos dias, e em cada uma tem seu conceito e suas atribuições específicas. Ou seja, não há uma definição única, absoluta e dogmática para o que é e o que faz um bispo: cada tradição designa suas especificidades.
No princípio do Cristianismo, no século I, os títulos já existentes “presbítero” e “bispo” foram adotados pela Igreja e passaram a ser usados para se referir aos servos de Deus que agiam como líderes da igreja local e eram submissos a um dos apóstolos. No fim do primeiro século, a alcunha “bispo” foi aplicada somente aos doze apóstolos. Até que aconteceu uma reviravolta no uso dos termos. No ano 96, Clemente de Roma, durante o período em que João, o evangelista e servo amado de Jesus , ainda estava vivo, afirmou em seus escritos que os apóstolos deixaram “instruções no sentido de que, após a morte deles, outros homens comprovados lhes sucedessem em seu ministério”.
O mártir Inácio (ilustração acima), que foi bispo de Antioquia e conviveu com João, Paulo e Pedro, registrou a sucessão de bispos desde a época dos apóstolos, logo após a morte dos mesmos, em sua própria igreja e em Esmirna. No século II, o patriarca Irineu afirmou a validade de uma “linhagem” de bispos desde o tempo apostólico e os enumerou até seu contemporâneo Vítor. Também fizeram isso alguns dos principais teólogos e historiadores antigos, como Sexto Júlio Africano, Tertuliano, Eusébio e Jerônimo.
Assim, vemos claramente que a forma de governo episcopal é bíblica e historicamente correta. Mas aí surge a pergunta: quem de fato pode ser chamado legitimamente de bispo? A resposta depende da tradição cristã que você siga. Na Igreja Católica Romana (foto), bispos são considerados sucessores dos apóstolos, responsáveis por santificar, ensinar e governar dentro de uma determinada região. O mesmo se aplica às Igrejas Ortodoxa Russa e Grega, sendo que o bispo recebe o nome de “eparca”. Já entre os anglicanos, o bispo é o pastor principal da Igreja e exerce sua atividade numa diocese, que seria uma menor expressão da Igreja. Sua missão seria a proclamação e o ensino, o provimento dos sacramentos e a supervisão e liderança administrativa da Igreja, além de simbolizar unidade entre as comunidades de uma diocese e entre a diocese e toda a Igreja. Na Igreja luterana de alguns países há a figura do bispo, embora no Brasil não. Já a Igreja Metodista é episcopal, mas os bispos não são uma ordem especial ou diferente dos presbíteros, ele é apenas o primeiro entre seus iguais (“primus inter pares“) e seu cargo no nosso país não é vitalício.
Entre as igrejas pentecostais, a grande maioria não tem a figura do bispo. Algumas têm, como a Igreja Cristã Nova Vida, a primeira pentecostal do Brasil a adotar esse sistema de regência eclesiástica. Há um Bispo Primaz e um Colégio de 7 bispos (foto) que atuam como seus auxiliares e conselheiros. O Primaz nada mais é do que um pastor de pastores de igrejas independentes, que se submetem a sua autoridade voluntariamente. Outra é a Igreja do Evangelho Quadrangular, onde “bispo” é um cargo que um pastor recebe para reger uma ou mais regiões, e pode ser retirado do cargo. Vale ressaltar que até aqui só falamos de igrejas históricas, sérias, sem envolvimentos com escândalos ou absurdos – como a miscigenação com práticas espíritas ou coisas do gênero. E aí chegamos às neopentecostais. É quando começa o problema.
Algumas igrejas neopentecostais no Brasil adotam em sua hierarquia o sistema episcopal, sendo que em algumas dessas denominações o bispo é o representante máximo. Em outras denominações, o bispo é um representante que administra uma região, com bispos que gerem as chamadas “regionais” – mas não são independentes, estão subordinados ao líder máximo, autointitulado “apóstolo”. Numa certa igreja há ainda a figura da “bispa”, um neologismo infeliz, uma vez que existe um feminino para bispo: episcopisa.
Se você for analisar, perceberá que é o grupo dos neopentecostais que vive nas manchetes e nas reportagens de TV. Em sua maioria, seguem a herética Teologia da Prosperidade (veja o post Demonologia da Prosperidade). São denominações em que seus líderes hipervalorizam o dinheiro e os bens materiais e que já protagonizaram episódios em que foram flagrados em contrabando de dinheiro, falsos exorcismos, uso de dinheiro de dízimos e ofertas em benefício próprio e outras falcatruas. É por causa desses “bispos” e dessas “bispas” que o título legítimo tem sido maldito por tantos.
Muitos dos tais “bispos” neopentecostais poderiam se virar para mim ou para você e dizer “Se o fiel soubesse como fazemos igreja ele não viria”. Só que o uso do título não tem nada a ver com isso. O líder desses grupos poderia se chamar “bispo”, “padre”, “epaminondas” ou “bilu-bilu”, a questão não é a legitimidade do nome. É o fruto que os tais geram – que qualquer um com discernimento espiritual ou pelo menos bom senso consegue ver que está podre. Se você é flagrado contrabandeando dinheiro na Bíblia (meu Deus…) ou ensinando a pedir oferta na base do “ou dá ou desce” isso em nada tem a ver com o nome que você ostenta. Poderia ser “Irmão Mais Velho na Fé Fulano” ou simplesmente “Missionário Beltrano”. Daria na mesma.
Chamar-se de “bispo” é apenas uma opção por um cargo que explica o tipo de governo eclesiástico que segue a sua igreja. É um título biblicamente e historicamente correto. Em cada denominação, ao longo dos séculos, o título “bispo” designou alguém que tinha certas atribuições, que variam de denominação a denominação. Mas que qualquer um tem o direito de usar… isso tem. Se eu quiser abrir uma igreja e me intitular “Príncipe Zágari”… bem, eu poderia. Mas não haveria antecedente histórico para o título numa convivência eclesiástica. Madre Teresa de Calcutá, uma pessoa do bem, usava o título de “Madre”, embora ela não fosse minha mãe e, apesar de seus gestos caridosos, crer – ao contrário de minha mãe de verdade – na mariolatria, na veneração de santos, na transubstanciação da Ceia e em montes de outras heresias. Nem por isso qualquer um de nós deixa de chamá-lá de “Madre”. Pois não passa de um título, ela não era mãe de ninguém. O mesmo se aplica a Joseph Ratzinger. Você alguma vez já o chamou de algo diferente de “Papa”? Sim, você, evangélico como eu, já chamou o ex-hitlerista Ratzinger de algum título diferente de (vamos traduzir) “Papai” Bento 16? Não. Todos nós o chamamos de “Papa”. Pois é apenas o nome do cargo, com raízes historicamente definidas.
Então, meu irmão, minha irmã, o importante nessa história é que essa perseguição que muitos de nós impomos ao título “bispo” que certos falsos cristãos adotam em suas igrejas é uma perda de tempo, uma bobagem e uma irrelevância. Eles têm, apesar de tudo o que eu e você sabemos, o direito de adotar o título. O que não podem é praticar o que praticam – ESTE SIM É O PROBLEMA. Paremos, assim, de criticar fulano ou beltrano só porque se chamam “bispo” e passemos a criticar suas ações nefastas. Porque, ao fazer isso, paramos de errar por desmerecer os bons bispos. Como os anglicanos, os metodistas, os da Igreja Cristã Nova Vida, os ortodoxos. Esses, sendo íntegros e homens de Deus, acabam sofrendo o bullying que impomos sobre o título por os colocarmos no mesmo saco que os canalhas. E aí erramos e pecamos por julgar e reprovar os que Jesus não julga ou reprova.
É como chamar alguém de “fariseu” como uma ofensa. Não podemos esquecer que o grande apóstolo Paulo foi fariseu. Gamaliel foi fariseu. José de Arimateia era membro do Sinédrio, possivelmente um fariseu. Mas pomos todos os fariseus no mesmo saco, como se todos fossem “hipócritas”, “raça de víboras” ou “sepulcros caiados”. Calma. Como se pode ver, nem todos eram assim. Só Paulo e Gamaliel já desmontam essa tese. O mesmo se aplica aos bispos.
Eu quero um dia voltar a ler jornal e a assistir a noticiários na TV. Mas só quando tiver confiança de que aquilo não é uma obra de ficção, pois sei que muito do que ali está é balela e mentira. É teatro. Provavelmente isso nunca acontecerá. E eu quero um dia voltar a ter confiança de que todo bispo é um homem de Deus, irrepreensível, esposo de uma só mulher, temperante, sóbrio, modesto, hospitaleiro, apto para ensinar, não arrogante, não irascível, não dado ao vinho, nem violento, nem cobiçoso de torpe ganância. Como Deus zela pela sua Igreja, creio que um dia os falsos líderes serão desmascarados e o rebanho se voltará para os realmente vocacionados e que esperam sua recompensa no Céu e não nas Ilhas Caymã.
E a você que vive bradando “chega de bispos!”, sugiro que mude o seu discurso. E comece a bradar, como eu, “chega de líderes que enganam o povo usando o nome de Jesus!”. Aí sim você estará começando a criticar o que de fato tem de ser criticado e não estará mais pecando por depositar joio e trigo no mesmo saco antes do tempo da colheita – algo que só compete a Deus. E, até onde eu sei, você não ostenta o título “Deus”, ostenta?
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
Sou jornalista e passei ao longo de minha carreira por três dos principais veículos de comunicação do país, sendo dois jornais e um a maior emissora de televisão brasileira. Há alguns anos decidi não ler mais jornal, cancelar minha assinatura da revista jornalística que eu consumia semanalmente e parar de assistir a TV, pois a quantidade de mentiras, notícias manipuladas e até inventadas de acordo com os interesses de alguns me fizeram um cético com relação à imprensa. Se eu fosse contar aqui tudo o que vi e vivi nos 13 anos em que trabalhei na grande imprensa você provavelmente também pararia de assistir a telejornais, por exemplo. Há mais verdade nos filmes B de zumbis, por exemplo, do que em muitas reportagens de programas aparentemente “jornalísticos”.
Lembro de um colega que, em sua primeira semana trabalhando como crítico de cinema num dos maiores jornais do país (e que ainda não conhecia as “regras do jogo”), escreveu uma critica ruim de um filme horrível estrelado por uma famosa apresentadora de programas infantis. Foi honesto. Só que ela é uma das estrelas das organizações das quais faz parte o jornal. Tadinho. Aos berros, foi obrigado pelo diretor de redação, na frente de todos, a mudar o texto e… elogiar o filme! Eu mesmo vivi situações assim. Lembro que saí muitas vezes para fazer reportagens com um fotógrafo veterano que é considerado um dos maiores do país (com livros publicados, que faz exposições etc) e o vi com meus próprios olhos simular fotos falsas para elas darem ibope e serem publicadas na primeira página (e foram), em situações completamente mentirosas. Ele arrumava o “cenário” e clicava. Sua cara-de-pau me deixava de queixo caído. Também vi repórteres consagrados inventarem depoimentos fictícios de pessoas que não existem para compor suas reportagens porque estava chegando a hora de fechar o jornal e eles ainda não tinham conseguido quem desse uma entrevista. Tenho amigos que pediram demissão da que é considerada a mais importante revista do país porque não aguentaram mais o tanto que seus textos originais foram distorcidos pela chefia por interesses políticos e econômicos: falas de entrevistados eram reinventadas e publicava-se o que pessoas não tinham dito. Isso entre milhões de episódios. Mas há um que eu mesmo vivenciei e considero emblemático sobre o jornalismo brasileiro.
Eu era um jovem e idealista estagiário que achava que o jornalismo era o grande fiscalizador da sociedade, a grande ferramenta para mudar o mundo. Trabalhava na editoria Internacional de um desses grandes jornais. Num plantão de fim de semana me escalaram para fazer uma matéria de esportes: jogo do Flamengo contra Corinthians no Maracanã. Minha pauta: o vestiário do Corinthians após a partida e uma coluna onde pegava o depoimento de alguém e transcrevia ao pé da letra (entre aspas) o que ele achou do jogo. Entrevistei Branco, o jogador que foi campeão do mundo na Copa de 1994 (na foto, à esq.). Gravei seu depoimento, fiz o que tinha de fazer e voltei à redação. Escrevi o texto do vestiário e transcrevi tudo (TUDO!) o que Branco dissera, para a tal coluna. Pronto. Dever cumprido. Estava só esperando minha hora de ir embora quando um redator (que hoje é bem conhecido e respeitado por participar dessas mesas redondas de domingo na TV) me chamou e disse que precisava crescer o depoimento de Branco porque um anúncio tinha sido cancelado na página e o espaço estava sobrando. Eu lhe disse que tudo o que o jogador dissera eu já tinha transcrito, que não havia mais nada a acrescentar. Ele sorriu e respondeu: “Ah, é?” e… começou a tirar de sua própria cabeça um monte de coisas, escrevendo como se Branco tivesse dito o que não disse! Cresceu umas oito linhas de texto. E deu enter no teclado, liberando a página para a gráfica. Lembro que eu olhava aquilo estarrecido. O redator, veterano, olhou para mim, viu meu espanto e disse rindo a frase de que nunca me esquecerei:
- Zágari, se o leitor soubesse como nós fazemos o jornal ele não leria.
Aquilo foi o embrião da minha grande decepção com o jornalismo. Mas também penso uma coisa. Vi muitos bons profissionais em ação. Repórteres competentes correndo atrás da verdade de fato (mesmo que depois de terem escrito suas matérias a chefia do jornal tenha mudado tudo conforme seus interesses). Gente do bem, que preferia dizer ao chefe “não tem matéria, o assunto morreu” do que inventar algo pela vaidade de ter seu nome assinado nas páginas no dia seguinte. Ou seja: não é porque vi péssimos profissionais fazendo o que há de pior dentro de seu péssimo jornalismo que vou achar que todo e qualquer jornalista é mentiroso, manipulador e canalha. Muitos são. Alguns não.
E por que estou falando tudo isso num blog que tem como meta refletir sobre as coisas de Deus? Porque há uma analogia bastante pertinente em nossos dias com um título eclesiástico: “bispo”. Muitos são os homens que assumiram para si o título de “bispo” dentro da Igreja evangélica porque… bem, simplesmente porque quiseram. Em grande parte, são homens (e mulheres) envolvidos com escândalos, com arrecadação indevida de dinheiro, com tudo o que há de mais réprobo na História atual do protestantismo no Brasil. Para mim, o que falam e praticam inclusive os desqualifica como evangélicos, muito mais como cristãos. O inferno certamente receberá alguns desses “bispos”.
A questão é que, por causa dessa banda podre, o título em si do bispo tem sido desqualificado como um todo. E os bons e autênticos bispos têm sido atacados porque… são bispos! Do mesmo modo que presenciei jornalistas calhordas em atividade calhorda debaixo do meu nariz, vejo “bispos” calhordas simularem um falso protestantismo calhorda sob o nariz da sociedade e com isso a lama salpica todos os evangélicos – e todos os bispos. Mesmo os autênticos.
E isso é uma injustiça histórica. Vejo nas redes sociais gente desinformada ou ignorante historicamente baixando o sarrafo no título (e aqui não quero tratar de quem se chama “apóstolo”, “patriarca”, “semideus” ou o que for – quero falar só sobre o episcopado). A questão é que o título “bispo” é legítimo. É bíblico. Pode ser usado. E se você nunca estudou nada sobre isso deixe-me te situar historicamente, para além dos escândalos da atualidade.
O cargo eclesiástico de “bispo” é encontrado já em passagens bíblicas. Como, por exemplo, 1 Timóteo 3.2 (“É necessário, portanto, que o bispo seja irrepreensível, esposo de uma só mulher, temperante, sóbrio, modesto, hospitaleiro, apto para ensinar) e Tito 1.7 (“Porque é indispensável que o bispo seja irrepreensível como despenseiro de Deus, não arrogante, não irascível, não dado ao vinho, nem violento, nem cobiçoso de torpe ganância”). É importante ressaltar que, biblicamente, o que esse cargo especifica é a função de um certo irmão dentro da organização da igreja, e em nada o torna mais divino do que qualquer outro de sua família de fé – em razão do sacerdócio universal dos santos. Há sobre um autêntico bispo, como há sobre qualquer líder divinamente comissionado, uma capacitação especial do Senhor para dar direção ao rebanho. Mas Deus não deu a ele uma auréola, deu, isto sim, uma função de liderança, que exerce conforme foi vocacionado a fazer.
A palavra “bispo” vem do grego επίσκοπος e tem como significado original “inspetor”, “supervisor”. É um vocábulo que vem de antes do surgimento do Cristianismo, quando o título era usado para designar todo tipo de administrador. E isso nas esferas civil, financeira, militar e judiciária. Foi adotado por diferentes tradições cristãs, desde a Igreja primitiva até os nossos dias, e em cada uma tem seu conceito e suas atribuições específicas. Ou seja, não há uma definição única, absoluta e dogmática para o que é e o que faz um bispo: cada tradição designa suas especificidades.
No princípio do Cristianismo, no século I, os títulos já existentes “presbítero” e “bispo” foram adotados pela Igreja e passaram a ser usados para se referir aos servos de Deus que agiam como líderes da igreja local e eram submissos a um dos apóstolos. No fim do primeiro século, a alcunha “bispo” foi aplicada somente aos doze apóstolos. Até que aconteceu uma reviravolta no uso dos termos. No ano 96, Clemente de Roma, durante o período em que João, o evangelista e servo amado de Jesus , ainda estava vivo, afirmou em seus escritos que os apóstolos deixaram “instruções no sentido de que, após a morte deles, outros homens comprovados lhes sucedessem em seu ministério”.
O mártir Inácio (ilustração acima), que foi bispo de Antioquia e conviveu com João, Paulo e Pedro, registrou a sucessão de bispos desde a época dos apóstolos, logo após a morte dos mesmos, em sua própria igreja e em Esmirna. No século II, o patriarca Irineu afirmou a validade de uma “linhagem” de bispos desde o tempo apostólico e os enumerou até seu contemporâneo Vítor. Também fizeram isso alguns dos principais teólogos e historiadores antigos, como Sexto Júlio Africano, Tertuliano, Eusébio e Jerônimo.
Assim, vemos claramente que a forma de governo episcopal é bíblica e historicamente correta. Mas aí surge a pergunta: quem de fato pode ser chamado legitimamente de bispo? A resposta depende da tradição cristã que você siga. Na Igreja Católica Romana (foto), bispos são considerados sucessores dos apóstolos, responsáveis por santificar, ensinar e governar dentro de uma determinada região. O mesmo se aplica às Igrejas Ortodoxa Russa e Grega, sendo que o bispo recebe o nome de “eparca”. Já entre os anglicanos, o bispo é o pastor principal da Igreja e exerce sua atividade numa diocese, que seria uma menor expressão da Igreja. Sua missão seria a proclamação e o ensino, o provimento dos sacramentos e a supervisão e liderança administrativa da Igreja, além de simbolizar unidade entre as comunidades de uma diocese e entre a diocese e toda a Igreja. Na Igreja luterana de alguns países há a figura do bispo, embora no Brasil não. Já a Igreja Metodista é episcopal, mas os bispos não são uma ordem especial ou diferente dos presbíteros, ele é apenas o primeiro entre seus iguais (“primus inter pares“) e seu cargo no nosso país não é vitalício.
Entre as igrejas pentecostais, a grande maioria não tem a figura do bispo. Algumas têm, como a Igreja Cristã Nova Vida, a primeira pentecostal do Brasil a adotar esse sistema de regência eclesiástica. Há um Bispo Primaz e um Colégio de 7 bispos (foto) que atuam como seus auxiliares e conselheiros. O Primaz nada mais é do que um pastor de pastores de igrejas independentes, que se submetem a sua autoridade voluntariamente. Outra é a Igreja do Evangelho Quadrangular, onde “bispo” é um cargo que um pastor recebe para reger uma ou mais regiões, e pode ser retirado do cargo. Vale ressaltar que até aqui só falamos de igrejas históricas, sérias, sem envolvimentos com escândalos ou absurdos – como a miscigenação com práticas espíritas ou coisas do gênero. E aí chegamos às neopentecostais. É quando começa o problema.
Algumas igrejas neopentecostais no Brasil adotam em sua hierarquia o sistema episcopal, sendo que em algumas dessas denominações o bispo é o representante máximo. Em outras denominações, o bispo é um representante que administra uma região, com bispos que gerem as chamadas “regionais” – mas não são independentes, estão subordinados ao líder máximo, autointitulado “apóstolo”. Numa certa igreja há ainda a figura da “bispa”, um neologismo infeliz, uma vez que existe um feminino para bispo: episcopisa.
Se você for analisar, perceberá que é o grupo dos neopentecostais que vive nas manchetes e nas reportagens de TV. Em sua maioria, seguem a herética Teologia da Prosperidade (veja o post Demonologia da Prosperidade). São denominações em que seus líderes hipervalorizam o dinheiro e os bens materiais e que já protagonizaram episódios em que foram flagrados em contrabando de dinheiro, falsos exorcismos, uso de dinheiro de dízimos e ofertas em benefício próprio e outras falcatruas. É por causa desses “bispos” e dessas “bispas” que o título legítimo tem sido maldito por tantos.
Muitos dos tais “bispos” neopentecostais poderiam se virar para mim ou para você e dizer “Se o fiel soubesse como fazemos igreja ele não viria”. Só que o uso do título não tem nada a ver com isso. O líder desses grupos poderia se chamar “bispo”, “padre”, “epaminondas” ou “bilu-bilu”, a questão não é a legitimidade do nome. É o fruto que os tais geram – que qualquer um com discernimento espiritual ou pelo menos bom senso consegue ver que está podre. Se você é flagrado contrabandeando dinheiro na Bíblia (meu Deus…) ou ensinando a pedir oferta na base do “ou dá ou desce” isso em nada tem a ver com o nome que você ostenta. Poderia ser “Irmão Mais Velho na Fé Fulano” ou simplesmente “Missionário Beltrano”. Daria na mesma.
Chamar-se de “bispo” é apenas uma opção por um cargo que explica o tipo de governo eclesiástico que segue a sua igreja. É um título biblicamente e historicamente correto. Em cada denominação, ao longo dos séculos, o título “bispo” designou alguém que tinha certas atribuições, que variam de denominação a denominação. Mas que qualquer um tem o direito de usar… isso tem. Se eu quiser abrir uma igreja e me intitular “Príncipe Zágari”… bem, eu poderia. Mas não haveria antecedente histórico para o título numa convivência eclesiástica. Madre Teresa de Calcutá, uma pessoa do bem, usava o título de “Madre”, embora ela não fosse minha mãe e, apesar de seus gestos caridosos, crer – ao contrário de minha mãe de verdade – na mariolatria, na veneração de santos, na transubstanciação da Ceia e em montes de outras heresias. Nem por isso qualquer um de nós deixa de chamá-lá de “Madre”. Pois não passa de um título, ela não era mãe de ninguém. O mesmo se aplica a Joseph Ratzinger. Você alguma vez já o chamou de algo diferente de “Papa”? Sim, você, evangélico como eu, já chamou o ex-hitlerista Ratzinger de algum título diferente de (vamos traduzir) “Papai” Bento 16? Não. Todos nós o chamamos de “Papa”. Pois é apenas o nome do cargo, com raízes historicamente definidas.
Então, meu irmão, minha irmã, o importante nessa história é que essa perseguição que muitos de nós impomos ao título “bispo” que certos falsos cristãos adotam em suas igrejas é uma perda de tempo, uma bobagem e uma irrelevância. Eles têm, apesar de tudo o que eu e você sabemos, o direito de adotar o título. O que não podem é praticar o que praticam – ESTE SIM É O PROBLEMA. Paremos, assim, de criticar fulano ou beltrano só porque se chamam “bispo” e passemos a criticar suas ações nefastas. Porque, ao fazer isso, paramos de errar por desmerecer os bons bispos. Como os anglicanos, os metodistas, os da Igreja Cristã Nova Vida, os ortodoxos. Esses, sendo íntegros e homens de Deus, acabam sofrendo o bullying que impomos sobre o título por os colocarmos no mesmo saco que os canalhas. E aí erramos e pecamos por julgar e reprovar os que Jesus não julga ou reprova.
É como chamar alguém de “fariseu” como uma ofensa. Não podemos esquecer que o grande apóstolo Paulo foi fariseu. Gamaliel foi fariseu. José de Arimateia era membro do Sinédrio, possivelmente um fariseu. Mas pomos todos os fariseus no mesmo saco, como se todos fossem “hipócritas”, “raça de víboras” ou “sepulcros caiados”. Calma. Como se pode ver, nem todos eram assim. Só Paulo e Gamaliel já desmontam essa tese. O mesmo se aplica aos bispos.
Eu quero um dia voltar a ler jornal e a assistir a noticiários na TV. Mas só quando tiver confiança de que aquilo não é uma obra de ficção, pois sei que muito do que ali está é balela e mentira. É teatro. Provavelmente isso nunca acontecerá. E eu quero um dia voltar a ter confiança de que todo bispo é um homem de Deus, irrepreensível, esposo de uma só mulher, temperante, sóbrio, modesto, hospitaleiro, apto para ensinar, não arrogante, não irascível, não dado ao vinho, nem violento, nem cobiçoso de torpe ganância. Como Deus zela pela sua Igreja, creio que um dia os falsos líderes serão desmascarados e o rebanho se voltará para os realmente vocacionados e que esperam sua recompensa no Céu e não nas Ilhas Caymã.
E a você que vive bradando “chega de bispos!”, sugiro que mude o seu discurso. E comece a bradar, como eu, “chega de líderes que enganam o povo usando o nome de Jesus!”. Aí sim você estará começando a criticar o que de fato tem de ser criticado e não estará mais pecando por depositar joio e trigo no mesmo saco antes do tempo da colheita – algo que só compete a Deus. E, até onde eu sei, você não ostenta o título “Deus”, ostenta?
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
Fonte: http://apenas1.wordpress.com/2012/04/10/chega-de-bispos/
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