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"Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim." – Jo 15.18

27 de agosto de 2009

O livro da vida foi escrito a lápis?

O que vencer será vestido de vestes brancas, e de maneira nenhuma riscarei o seu nome do livro da vida; e confessarei o seu nome diante de meu Pai e diante dos seus anjos. Ap 3:5

Este artigo é uma continuação de "Quando o Livro da Vida foi escrito?" e ambos pretendem ser um contraponto ao artigo de autoria do Pr. Ciro Zibordi, sobre o mesmo tema. Os textos bíblicos utilizados pelo pastor são Ap 3:5, Ex 32:32-33, Ap 21:27, Lc 10:20, At 1:17,25, Mt 24:13 e Ap 21:7. Nesta análise focalizarei Ap 3:5, mas ao final abordarei as demais passagens, a título de resposta a objeções.

O contexto de Ap 3:5

O texto está inserida na porção do Apocalipse conhecida como "Cartas às Sete Igrejas da Ásia"., assim chamadas porque Jesus orientou a João dizendo "o que vês, escreve-o num livro, e envia-o às sete igrejas que estão na Ásia: a Éfeso, e a Esmirna, e a Pérgamo, e a Tiatira, e a Sardes, e a Filadélfia, e a Laodicéia" (Ap 1:11) e a declaração final em cada carta é "quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas" (Ap 2:7; 2:11; 2:17; 2:29; 3:6; 3:13; 3:22).

Cada uma das cartas segue uma estrutura padrão, na qual Jesus faz uma declaração sobre Sua pessoa ("isto diz o que é santo, o que é verdadeiro", 3:7), elogia ("tendo pouca força, guardaste a minha palavra", 3:8) ou repreende a igreja ("tenho, porém, contra ti", 2:4), faz ameaças aos desobedientes ("vomitar-te-ei da minha boca", 3:16) e promessas aos fiéis ("a quem vencer, eu o farei coluna no templo do meu Deus", 3:12), geralmente terminando com o apelo para que se ouça o Espírito.

Pois bem, onde se encaixa Ap 3:5 nesse esquema? Não nas ameaças, como seria de se esperar se os que defendem a tese do livro que se apaga estivessem certos, mas na seção de promessa! Especificamente, o Senhor está se referindo ao fato de que numa igreja onde havia gente de quem se diz "tens nome de que vives, e estás morto" (Ap 3:1), também havia "algumas pessoas que não contaminaram suas vestes, e comigo andarão de branco" (3:4). É a essas pessoas que ele promete "o que vencer será vestido de vestes brancas, e de maneira nenhuma riscarei o seu nome do livro da vida" (3:5). Portanto, interpretar essa promessa gloriosa do Senhor como uma ameaça, vai contra a intenção do Senhor, que era de consolar e incentivar os que estavam passando por provas terríveis e não atemorizá-las com a perda da salvação.

Notemos também que as palavras "de maneira nenhuma riscarei o seu nome do livro da vida" se refere a uma situação futura, após a vitória nesta vida. Isto significa que Jesus sequer está se referindo a não riscar o nome dos crentes enquanto estão no mundo. Mas está dando a eles uma certeza de que seus nomes, escritos que estão no Livro da Vida no presente, lá continuará pela eternidade afora. Isto torna especialmente claro quando notamos que há um paralelo entre os versos 4 (vida presente) e 5 (vida futura). Observe:

No verso 4 Jesus diz "não contaminaram suas vestes" e no verso 5 "será vestido de vestes brancas". No verso 4, "são dignas" e no 5, "confessarei o seu nome diante de meu Pai". E, o mais significativo para a questão ao lume, no verso 4, "tens em Sardes algumas pessoas" e no 5, "de maneira nenhuma riscarei o seu nome". Aqui o paralelo não é aparente, pois nossas Bíblias traduzem "algumas pessoas" onde o original grego diz "tens em Sardes alguns nomes" (εχεις ολιγα ονοματα). O que Jesus está assegurando àquelas pessoas é que a condição atual deles diante de Deus continuará por toda a eternidade, apenas que de forma perfeita.

O que Ap 3:5 diz e o que não diz

É espantoso como alguns deixam seus pressupostos prevalecerem sobre o texto sagrado, fazendo-o dizer o que não diz e até o contrário do que afirma! O uso que arminianos, assumidos ou não, fazem desse texto demonstra bem esse fato.

O texto diz "jamais apagarei o seu nome do Livro da Vida" (NVI). Usar essa passagem para afirmar o contrário do que diz requer argumentos textuais muito fortes ou obstinação em manter preconceitos teológicos. Veremos mais adiante que não se trata do primeiro caso. Diz ainda o texto "será vestido de vestes brancas" e "e confessarei o seu nome diante de meu Pai e diante dos seus anjos". Num só versículo temos três promessas maravilhosas, de vestiduras brancas, de eternidade da salvação e de menção do nome diante de Deus e dos anjos e tudo o que algumas pessoas vêem é uma ameaça inexistente!

O texto não diz "riscarei o seu nome do Livro da Vida". Nem mesmo diz "se não vencer, riscarei seu nome do Livro da Vida". O raciocínio "se quem vencer não terá seu nome riscado, então aquele que não vencer terá seu nome riscado" é uma inferência falaciosa e não se baseia numa proposição bíblica, mas é trazida para dentro do texto pelo leitor que assim quer enxergar a questão. Se ficarmos apenas com o que o texto diz, então só podemos afirmar que é certo que os vencedores não terão seus nomes apagados do Livro da Vida.

E os outros textos?

O articulista lança mão de outras passagens bíblicas para afirmar que um nome pode ser apagado do Livro da Vida. Jogar com referências bíblicas, sem nem mesmo mencionar o que dizem e sem analisar o que realmente significam é fácil e satisfaz a muitos que se contentam com uma afirmação forte seguida de um endereço bíblico, que não visitarão. Veremos o que as pessoas descobririam se agissem como bereanos.

Baeado em Ap 21:27 ele afirma que os nomes dos que permanecerem desviados e em pecado serão riscados. Porém, o que o versículo diz, de fato, é que na Nova Jerusalém entrarão "só os que estão inscritos no livro da vida do Cordeiro" (Ap 21:27). Ora, não diz "os que não tiveram seu nome riscados do Livro da Vida". De onde o pastor tirou a sua conclusão? Do texto sagrado é que não foi.

Baseado em Lc 10:20 e At 1:17,25 o autor sugere que o nome de Judas estava escrito no Livro da Vida e que mesmo assim se desviou, presumindo-se que seu nome foi apagado. Quando Jesus disse "não vos alegreis porque se vos sujeitem os espíritos; alegrai-vos antes por estarem os vossos nomes escritos nos céus" (Lc 10:20), estava se referindo aos 70, dos quais Judas não fazia parte. A isto acrescentemos que quando Pedro disse "foi contado conosco e alcançou sorte neste ministério" (At 1:17) não estava se referindo ao rol dos salvos no céu, mas à lista do doze apóstolos, o que fica confirmado ao escolherem Matias para seu lugar, orando "para que tome parte neste ministério e apostolado, de que Judas se desviou" (At 1:25). Portanto, somente por vias hermêuticas tortas se conclui que Judas teve seu nome no Livro da Vida apagado. Mais adequado seria pensar que Judas nunca teve seu nome ali inscrito, haja vista que ao se desviar foi "para o seu próprio lugar" (At 1:25).

Outra passagem a que o pastor apela é a que diz "mas aquele que perseverar até ao fim será salvo" (Mt 24:13). Ainda não vi um calvinista que discordasse dessa verdade. Porém, engana-se quem pensa que a perseverança é a causa da salvação final, antes ela é consequência da salvação inicial. No mesmo capítulo Jesus diz "se aqueles dias não fossem abreviados, nenhuma carne se salvaria; mas por causa dos escolhidos serão abreviados aqueles dias" (Mt 24:22). Deus abreviará os tempos para que nenhum dos que tiveram seus nomes escritos no Livro da Vida venham a se perder.

Seria engraçado, se não fosse trágico demais, as tentativas que se faz para semear a dúvida sobre a fidelidade do Senhor no coração de seus filhos. De que outro modo se poderia considerar o uso de Fp 4:1,3 para defender a tese do mata borrão no Livro da Vida? O texto afirma "portanto, meus amados e mui queridos irmãos, minha alegria e coroa, estai assim firmes no Senhor, amados" (Fp 4:1). Cadê o tom de ameaça aqui? A palavra "portanto" nos remete aos versos anteriores, que dizem "a nossa cidade está nos céus, de onde também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que transformará o nosso corpo abatido, para ser conforme o seu corpo glorioso, segundo o seu eficaz poder de sujeitar também a si todas as coisas" (Fp 3:20-21). Então, ele faz referência nominal a alguns irmãos e a "os outros cooperadores, cujos nomes estão no livro da vida" (Fp 4:3). Está o apóstolo infundindo medo nos seus leitores? Não, mas dando motivos para afirmar em seguida "regozijai-vos sempre no Senhor; outra vez digo, regozijai-vos" (Fp 4:4).

A esta altura você deve ter percebido que pulei Ex 32:32-33. Não me esqueci nem me esquivei, apenas que considero, das passagens listadas pelo autor, a mais relevante para esta questão. E creio que ela merece um artigo à parte, que escreverei se Deus me der graça.

Conclusão

Nenhuma das passagens analisadas acima ensinam que algum nome pode ser apagado do Livro da Vida. Pelo contrário, a maioria dos textos utilizados pelo pastor ensinam exatamente o contrário, que a intenção do autor era fortalecer irmãos em meio à luta, e não colocá-los sob risco de terem seus nomes eliminados do rol dos salvos. A impressão que fica é que enquanto Jesus deseja que seus filhos se alegrem por terem seus nomes escritos nos céus, outros se esforçam para que esses mesmos crentes vivam atemorizados ante a idéia de serem excluídos do livro de Deus a qualquer momento. Enquanto Paulo menciona o Livro da Vida e diz em seguida "alegrem-se", outros dizem "tenham medo, outra vez lhes digo, tenham muito medo".

Soli Deo Gloria

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