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"Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim." – Jo 15.18

26 de agosto de 2009

Adoração na igreja evangélica contemporânea

Osmar Ludovico da Silva


Há dois tipos de música: a boa e a ruim seja ela erudita, mpb, sertaneja, reggae, rap, rock ou gospel. O que me surpreende é a capacidade do mercado absorver música ruim. Com a proliferação de compositores, interpretes, bandas e gravadoras o cenário evangélico não poderia ser diferente. Tem música boa, mas também tem muita música ruim.

Passamos séculos louvando a Deus com hinos históricos da Reforma, bastava um hinário, e tínhamos uma música com letras densas, boa teologia, e linha melódica e métrica harmoniosa.

Nos últimos anos surgiu o que chamamos de louvorzão, jogamos fora os hinários, a liturgia, aposentamos o piano e o coral e introduzimos a guitarra, a bateria, o data-show, as coreografias e a aeróbica. Surgiu também a figura do dirigente do louvor, responsável para animar a congregação. Daí para frente têm muito barulho, muitas palmas, muitas mãos levantadas, muitos abraços, muitas caretas e cenho franzido. Mas a pergunta que fica é: temos adoração?



O lado positivo do louvorzão é o interesse e a integração na igreja de milhares de jovens que, atraídos pelas bandas e pela euforia dos cultos, enchem os templos. Trata-se de uma oportunidade única para ensinar estes jovens, através do exemplo e da Palavra o caminho do discipulado de Cristo. Mas fica a pergunta: estarão estes jovens crescendo na santidade e no serviço?

Alguns cultos se tornaram verdadeiras produções dignas da Broadway. Músicos profissionais, cenários, bailarinos, iluminação chegam a rivalizar com os shows de artistas conhecidos. A idéia é que uma produção caprichada com interpretes competentes gera uma verdadeira adoração. Novamente fica uma pergunta, toda esta parafernália cênica tem levado o povo de Deus a uma genuína adoração?

A história da Igreja é rica em manifestações artísticas. Ao longo do tempo o louvor foi expresso através de várias expressões musicais. O canto gregoriano, o barroco, os hinos da Reforma, o negro spiritual e os cânticos contemporâneos deixaram sua contribuição à boa música ao longo destes últimos séculos.

Trata-se, portanto, de um equivoco jogar fora toda a herança histórica e achar que esta geração descobriu a forma certa de louvar. Se olharmos do ponto de vista musical veremos que a história nos legou uma herança preciosa. Na cultura gospel do louvorzão tem muita música ruim, muita letra questionável, e muito dirigente de louvor que mais parece um animador de auditório.

A igreja pode ser a ponte entre as gerações, entre o antigo e o novo e integrar na adoração tudo que há de bom na sua herança histórica. Tem muita gente já cansada do louvorzão barulhento de letras rasas, de bandas que tocam no último volume, das coreografias esvoaçantes e das ordens do dirigente para abraçar o irmão da frente, de trás e do lado dizendo que o amamos. É constrangedor abraçar alguém e dizer que o amamos quando sequer o conhecemos.

A igreja perde quando o dirigente do louvor, o data-show, a coreografia e os solos de guitarra se tornaram mais importantes do que o cântico congregacional. Ou seja, quando a ênfase do louvor se desloca da congregação para o palco. Com raras exceções a música é ruim, a letra não tem nada a ver com a realidade do cotidiano ou a teologia reformada e a performance no palco é apelativa.

A igreja perde quando se torna parecida com um programa de auditório e não cultiva mais a boa música com cordas, sopros, bons arranjos, corais, quartetos. Mas a igreja perde muito mais ainda quando a adoração se torna um evento estimulado sensorialmente e não uma melodia que emerge de um coração quebrantado e temente a Deus. Adoração é sempre uma resposta humilde, alegre, reverente àquilo que Deus é e faz. Adoramos porque algo aconteceu, algo nos foi revelado, e não o contrário como pensam alguns: que é porque adoramos que recebemos a revelação e as coisas acontecem.

A igreja perde quando não há reverência ou temor, o que resta é euforia, excitação e sensações prazerosas. O que é bom em si mesmo, mas não é necessariamente adoração.

É um equivoco pensar que Deus se impressiona com nossos cultos de domingo. Ao contrário, Ele acolhe muito mais nossos gestos simples do quotidiano, frutos de um coração humilde e quebrantado, que busca se desprender de ambições e serve ao próximo com alegria. Adoração não é um evento domingueiro bem produzido, mas um estilo de vida que glorifica ao Senhor.

Durante séculos a arquitetura das igrejas e das catedrais destinou o balcão posterior para o coro, o órgão e a orquestra. Na igreja da Reforma os músicos e o coro se posicionavam na parte da frente da nave, mas sempre ao lado. Mesmo o púlpito não estava no centro, mas ao lado. No centro havia, quando muito, alguns símbolos da fé que ajudam a despertar a consciência para a experiência do sagrado, com destaque para a mesa do Senhor. Era a congregação face ao altar de Deus, nada se interpondo entre a Santa Presença e a congregação. Este lugar só pode ser ocupado por Jesus Cristo, ele é o único mediador, ele é o único que pode dirigir o louvor.

Hoje o que se vê é o apóstolo, o bispo, o pastor, o dirigente de louvor e a banda ocupando este lugar, nos levando de volta à Antiga Aliança quando sacerdotes e levitas eram mediadores entre Deus e os homens. A conseqüência é uma geração de crentes que dependem de homens, coreografias e data-shows para adorar e para ouvir a voz de Deus.

O verdadeiro pastoreio consiste em ajudar homens e mulheres a dependerem do Espírito Santo para seguirem a Cristo que os leva ao seio do Pai. Ajudar homens e mulheres a crescerem e amadurecerem na fé, na esperança e no amor, integrando adoração, oração e leitura das Escrituras no seu quotidiano.

A contextualização se tornou uma armadilha na qual a igreja caiu, na sua tentativa de se identificar com o mundo ela ficou cada vez mais parecida com mundo. A cultura gospel é auto centrada, materialista, se acha dona da verdade, tornou-se uma religião que nos faz prosperar, que não nos pede para renunciar a nada e que resolve todos nossos problemas. Há um abismo colossal entre a cultura gospel e o Evangelho de Jesus Cristo, que nos chama a amar sacrificialmente o nosso próximo, a cultivar um estilo de vida simples, a integrar o sofrimento na experiência existencial e a ter a humildade de ser um eterno aprendiz.

Estas reflexões já estavam fervilhando no meu coração há algum tempo. Pensei que estas coisas só aconteciam em certas igrejas, mas o que me motivou mesmo a colocá-las no papel, foi ter participado de um culto numa igreja evangélica tradicional.

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