Por Rodrigo Ribeiro Rodrigues
Há oito anos, Katharina B. atende em casa a telefonemas de gente que sofreu abusos sexuais por membros da Igreja Católica. Ela prefere não divulgar seu nome por temer retaliações, devido ao teor de seu trabalho.
A linha direta começou a funcionar em 2002, quando foram divulgados os primeiros casos de violência sexual de padres católicos contra crianças e jovens nos Estados Unidos. O movimento laico de críticos à Igreja Wir sind Kirche ("Nós somos Igreja") logo pediu providências à Conferência dos Bispos na Alemanha.
Contudo, o então presidente da entidade, cardeal Karl Lehmann, não atendeu aos pedidos. Os próprios ativistas católicos decidiram, então, eles mesmos, fazer algo pelas vítimas na Alemanha, criando, entre outras coisas, um número de telefone para assistência a casos similares.
Mais de 70 anos de silêncio
Desde então, Katharina B. já falou com cerca de 300 pessoas. Um dos telefonemas que a deixaram mais comovida foi de uma senhora de 80 anos, que contou ter sido violentada por um padre quando tinha seis anos. "Nunca consegui falar com alguém sobre isso. A senhora é a primeira pessoa. Pode acreditar em mim?", apelou.
Katharina B. conta que ficou chocada pelo fato de a pessoa que falava com ela do outro lado da linha ter sofrido durante mais de 70 anos, guardando as lembranças para si por todo esse tempo.
Já outras vítimas procuraram o serviço porque tentaram encontrar ajuda e não foram escutadas. Uma criança levou tapas da mãe, como castigo por suas "fantasias maldosas".
De três a seis ligações diárias
Annegret Laakmann, cofundadora do serviço telefônico do movimento Wir sind Kirche, ressalta que a Igreja, durante muito tempo, se recusou a acreditar nas vítimas. "E os agressores eram simplesmente afastados de seus postos", revela.
Desde que começaram a aparecer as primeiras notícias sobre casos de abusos em escolas e internatos na Alemanha, mais gente se anima a contar as próprias experiências, e o serviço recebe de três a seis chamadas, diariamente.
Laakmann elogia a iniciativa da Igreja alemã de criar um serviço de ajuda a vítimas e avalia que os bispos alemães estão no caminho certo. Entretanto, ressalta a importância de os interlocutores escolhidos para atender às vítimas de abuso sexual serem indicados por critérios independentes da hierarquia eclesiástica.
Vítimas querem sobretudo ser ouvidas
Katharina B. também acha que nem todos os imbuídos da apuração de casos de abusos sexuais dentro da Igreja reagem da forma devida. "Hoje mesmo denunciei um autor de abuso que ainda ameaça sua vítima", lembra.
Em certa ocasião, a pessoa que a atendeu afirmou que o vigário-geral responsável estava ausente, que o computador estava com defeito e que todos estavam muito atarefados. O sangue subiu definitivamente à cabeça de Katharina com o comentário de que "a maioria dos casos é alarme falso, mesmo".
Por outro lado, ela também pode relatar outros casos bastante positivos. "Há mediadores que agem prontamente. Há casos em que me informam logo no dia seguinte que o autor já foi recolhido a um convento, onde permanecerá até que o processo seja iniciado", relata.
Ação imediata
As vítimas querem, sobretudo, que seu sofrimento seja reconhecido, querem poder falar sobre o ocorrido e que as pessoas acreditem nelas. Muitos desejam que o próprio autor lhes peça desculpas. O serviço telefônico já intermediou tais encontros, com a presença de testemunhas. "Mas também há, claro, aqueles que pedem uma indenização financeira", acrescenta Annegret Laakmann.
"Da Igreja e do Papa, desejo não apenas palavras claras, mas também atos claros. E que, que não se ache que tudo já passou, depois que esses casos antigos tiverem sido tratados. Vão aparecer novos casos e precisamos realmente de pessoal especializado para saber o que está acontecendo hoje. Não podemos esperar 20 ou 30 anos para saber o que se passa agora", alerta.
Autora: Andrea Grunau (md)
Revisão: Augusto Valente
Fonte: DW
A linha direta começou a funcionar em 2002, quando foram divulgados os primeiros casos de violência sexual de padres católicos contra crianças e jovens nos Estados Unidos. O movimento laico de críticos à Igreja Wir sind Kirche ("Nós somos Igreja") logo pediu providências à Conferência dos Bispos na Alemanha.
Contudo, o então presidente da entidade, cardeal Karl Lehmann, não atendeu aos pedidos. Os próprios ativistas católicos decidiram, então, eles mesmos, fazer algo pelas vítimas na Alemanha, criando, entre outras coisas, um número de telefone para assistência a casos similares.
Mais de 70 anos de silêncio
Desde então, Katharina B. já falou com cerca de 300 pessoas. Um dos telefonemas que a deixaram mais comovida foi de uma senhora de 80 anos, que contou ter sido violentada por um padre quando tinha seis anos. "Nunca consegui falar com alguém sobre isso. A senhora é a primeira pessoa. Pode acreditar em mim?", apelou.
Katharina B. conta que ficou chocada pelo fato de a pessoa que falava com ela do outro lado da linha ter sofrido durante mais de 70 anos, guardando as lembranças para si por todo esse tempo.
Já outras vítimas procuraram o serviço porque tentaram encontrar ajuda e não foram escutadas. Uma criança levou tapas da mãe, como castigo por suas "fantasias maldosas".
De três a seis ligações diárias
Annegret Laakmann, cofundadora do serviço telefônico do movimento Wir sind Kirche, ressalta que a Igreja, durante muito tempo, se recusou a acreditar nas vítimas. "E os agressores eram simplesmente afastados de seus postos", revela.
Desde que começaram a aparecer as primeiras notícias sobre casos de abusos em escolas e internatos na Alemanha, mais gente se anima a contar as próprias experiências, e o serviço recebe de três a seis chamadas, diariamente.
Laakmann elogia a iniciativa da Igreja alemã de criar um serviço de ajuda a vítimas e avalia que os bispos alemães estão no caminho certo. Entretanto, ressalta a importância de os interlocutores escolhidos para atender às vítimas de abuso sexual serem indicados por critérios independentes da hierarquia eclesiástica.
Vítimas querem sobretudo ser ouvidas
Katharina B. também acha que nem todos os imbuídos da apuração de casos de abusos sexuais dentro da Igreja reagem da forma devida. "Hoje mesmo denunciei um autor de abuso que ainda ameaça sua vítima", lembra.
Em certa ocasião, a pessoa que a atendeu afirmou que o vigário-geral responsável estava ausente, que o computador estava com defeito e que todos estavam muito atarefados. O sangue subiu definitivamente à cabeça de Katharina com o comentário de que "a maioria dos casos é alarme falso, mesmo".
Por outro lado, ela também pode relatar outros casos bastante positivos. "Há mediadores que agem prontamente. Há casos em que me informam logo no dia seguinte que o autor já foi recolhido a um convento, onde permanecerá até que o processo seja iniciado", relata.
Ação imediata
As vítimas querem, sobretudo, que seu sofrimento seja reconhecido, querem poder falar sobre o ocorrido e que as pessoas acreditem nelas. Muitos desejam que o próprio autor lhes peça desculpas. O serviço telefônico já intermediou tais encontros, com a presença de testemunhas. "Mas também há, claro, aqueles que pedem uma indenização financeira", acrescenta Annegret Laakmann.
"Da Igreja e do Papa, desejo não apenas palavras claras, mas também atos claros. E que, que não se ache que tudo já passou, depois que esses casos antigos tiverem sido tratados. Vão aparecer novos casos e precisamos realmente de pessoal especializado para saber o que está acontecendo hoje. Não podemos esperar 20 ou 30 anos para saber o que se passa agora", alerta.
Autora: Andrea Grunau (md)
Revisão: Augusto Valente
Fonte: DW
Via: O Galileu
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