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"Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim." – Jo 15.18

15 de outubro de 2012

Uma Geração Anestesiada

Por João de Souza Filho


Costumo ficar boquiaberto diante da inércia, da passividade e da falta de ação dos jovens de algumas igrejas. Essa inércia não é vista apenas entre os evangélicos, mas até mesmo entre a juventude brasileira, haja vista que não se veem marchas nem manifestações de estudantes contra a corrupção ou em busca de novas propostas políticas. As únicas manifestações são de minorias que defendem seus direitos e não os direitos de todo o povo. A juventude brasileira está anestesiada pelo governo que a segura firmemente à base de cargos políticos e de muito dinheiro doados às organizações estudantis.

Excetuando-se algumas denominações recentes em que pastores e jovens – e jovens pastores em sua maioria – respiram o ar da revolução espiritual, na maioria das igrejas os jovens estão tão anestesiados que a imobilização é patente, isto é, visível. Pensei, a princípio, que os jovens estavam amordaçados, mas concluí que não é preciso mordaça para imobilizá-los, basta que estejam anestesiados pelo sistema.

E venho tentando descobrir as causas dessa inércia espiritual e da acomodação total. Procurarei colocar aqui algumas delas, mesclando ideias com ideais; sociedade com igreja:

1. São jovens que vivem debaixo da tutela de pastores totalitários; que se sobrepõem à verdade acreditando que eles são a verdade e possuem todo o conhecimento necessário.

Na maioria das denominações históricas acontece um fenômeno muito interessante, que posso explicar por experiência própria. Quarenta anos atrás, nós, jovens da igreja lutávamos por ideais bíblicos relevantes; por uma igreja dinâmica e forte e os pastores mais velhos não nos viam com bons olhos chamando-nos de pastores calça-curta. Hoje não se veem jovens lutando por ideais revolucionários, como nova reforma evangélica ou projetos desafiadores. Os jovens estão acomodados. Anestesiados pelo sistema.

A incompreensão dos líderes do passado era grande, mas os ideais que nós os jovens nutríamos maiores, porque eram propostas rigidamente bíblicas, dentro do propósito e da missão de Deus, e esta visão de uma igreja forte e restaurada nos impulsionou a vencer os desafios, inda que a alto custo. Na ocasião, dentre os meus pares fui o único a colocar minha cabeça na cepa para a degola, defendendo os ideais sagrados. Meus colegas da época foram consagrados ao ministério e rapidamente se acomodaram ao sistema. A revolução que defendiam e que durante seu pastoreio poderiam levar a efeito como pastores convencionais e até pastores presidentes foi por eles definitivamente sepultada.

Hoje, aqueles colegas jovens estão velhos e assentados comodamente na mesma poltrona dos líderes que tanto criticavam, posto que assumiram a mesma inércia do passado. Quarenta anos atrás anelávamos por pastores que nos compreendessem e, depois os mesmos que tanto anelavam ser compreendidos não compreendem nem ajudam seus jovens. Velhos e jovens sofrem do mesmo mal: Anestesia coletiva!

Por outro lado aqueles moços que influenciei são líderes em várias igrejas, aliás, com grande relevância no Estado. A denominação a que me refiro perdeu uma geração de jovens por não compreendê-la e continua a perder a segunda geração. Desta vez, porque a juventude evangélica não tem ideais pelos quais lutar.

2. São jovens que vivem debaixo do governo de líderes decrépitos, velhos, tanto física, intelectual quanto emocionalmente; pastores que não se renovam, apegados às suas estruturas denominacionais de onde tiram seu ganha-pão e não querem se comprometer com revoluções que afetem seu salário e que precisem lutar para defender.

As comunidades cristãs que a partir do final da década de 1970 tomaram a vanguarda da igreja em muitos Estados, também sofrem de amnésia coletiva esquecendo-se da missão que lhes foi dada pelo Espírito Santo naquele tempo. As comunidades se acomodaram ao cômodo conforto de sua tradição.

Existem velhos líderes e existem líderes velhos. Os velhos líderes entendem a geração jovem e procuram alavancá-la e impulsioná-la à frente, mas os líderes velhos estão matando as igrejas que pastoreiam. Ora, aqui no Estado onde resido parece que algumas igrejas perderam o bonde da história e já não possuem relevância alguma para a cidade. Se a igreja for tirada da cidade a população não sentirá falta alguma dos crentes.

E pior. Os jovens entraram no ciclo migratório de igreja para igreja, como zumbis, perdidos na selva, porque anestesiados não conseguem sair de sua inércia espiritual. Boa parte deles buscam outras igrejas apenas para se sentirem bem; não por ideais.

Pastores que não se atualizaram e vivem no passado contrastam com pastores que insistem na teologia da prosperidade, no enriquecimento eclesial; aqueles persistem em cantar os mesmos cânticos de cinquenta anos atrás; os corais de suas igrejas cantam os mesmos cânticos fazem cinquenta anos, e às vezes usam playbacks para trazer alguma novidade – como se interessante fosse cantar com playback, uma falta de criatividade. Aliás, sou severo crítico de cantores que cantam com playback de outros cantores; poderiam pelo menos cantar com o seu próprio playback.

Ironicamente afirmo que existem pastores que foram renovados e avivados, mas permaneceram agarrados à novidade da época, às suas novidades tipo Remington Rand ou Olivetti – e não progrediram aos modernos computadores e tabletes. Espiritualmente alguns pastores estão assim. Eram vivazes, dinâmicos, visionários que hoje dormem em berços esplêndidos. A prosperidade parece ter sido apenas financeira, porque espiritualmente pararam no tempo.

3. Existem também os jovens que se autoanestesiam para não sentir a dor da revolução em seus poros; seus pastores também se autoanestesiam e desaprenderam a pensar. E se um jovem não perdeu a lucidez e disser qualquer coisa contrariamente às normas da igreja – não da Fé – é interpretado como rebelde. Se no passado os pastores disciplinavam e ameaçavam de exclusão pública os que discordavam do que lhes era ensinado, hoje não é mais necessário, porque os anestesiados jovens sequer reagem contra qualquer coisa errada.

Acredito que esta é uma tendência social da nação brasileira que também afeta a igreja. O Brasil é uma nação hoje cujos jovens não lutam por objetivos, quem sabe culpa da igreja que deixou de ser também revolucionária. Assim como o pós-modernismo tem seu lado espiritual que afeta a doutrina e o comportamento dos cristãos; da mesma forma a falta de ideais dos jovens da nação é refletida na juventude da igreja. Os jovens têm à sua disposição tudo o que querem – banda larga, novidades tecnológicas, escolas e possibilidades mil – então, pra que lutar por algo diferente?

4. Existem também os jovens que anelam o ministério porque precisam de emprego, enquanto outros sabem que para “chegar lá” é preciso andar segundo as regras. Poucos são os que pensam diferentemente, a maioria está anestesiada.

No meu tempo de jovem éramos mal-entendidos e até perseguidos porque lutávamos por uma revolução espiritual na igreja. Meu pastor costumava receber cartas e denúncias infundadas contra mim; amigo que éramos ele compartilhava as cartas comigo e eu sabia de onde procedia a perseguição. Quando ele se ausentou durante um ano para ficar na Suécia, fui afastado de minhas funções na igreja e deixado de lado – depois de um ano inteiro assentado no banco fervendo de Deus por dentro, com o apoio dele dei início ao projeto inovador. Jamais deixou de me convidar para ser intérprete de estrangeiros que vinham pregar em sua igreja, mas vacilou diante dos patrulheiros da fé que pisavam nos seus colegas para galgarem cargos na igreja.

Quando viajamos juntos para um encontro mundial na Coréia do Sul – eu como líder do novo projeto havia anos e ele ainda como pastor daquela igreja – fui seu fiel servidor, levantando-me às cinco e meia da manhã para lhe preparar o chimarrão e ajudando-o durante o dia, porque já o peso dos anos se abatera sobre ele. Fomos amigos até o fim e honrei aquele que me animara a começar o novo projeto.

E o grande problema de algumas denominações pentecostais históricas é que deixaram de ser inovadoras, além de que anestesiaram a nova geração. Quando passa o efeito anestésico, qualquer reação é sufocada, e como o viço de uma planta, de tanto ver o broto ser arrancado, definitivamente morre. E sempre haverá os que andam cegamente segundo as regras, sem espírito inovador.

5. São jovens que se refugiaram diante da tela da era digital, mas não usam a tecnologia para proclamar uma nova reforma; usam-na como fuga e divertimento.

Pergunte aos jovens que usam páginas virtuais se eles se animam em expor suas ideias revolucionárias. Eles não têm ideias revolucionárias! Esquecem tais jovens que têm o privilégio de viver numa transição de eras; que convivem com a era do papel ao mesmo tempo em que estão numa nova era, a da digital onde é possível espalhar ideias por todo o mundo ao apertar uma pequena tecla chamada “enter”. No entanto, a atual geração nada tem a compartilhar; nem planos ou ideais revolucionários. Alguns ficam famosos compartilhando músicas sensuais sem nexo e sem valor algum com as quais se entorpecem e entorpecem a sociedade.

6. Muitas igrejas do Estado onde resido vivem na era analógica e estão falidas como faliu a Kodak, líder do ramo de máquinas fotográficas que não se atualizou. O que digo aqui é irônico, apenas para mostrar que a Kodak pioneira e líder na fabricação e venda de máquinas fotográficas faliu porque não se modernizou nem acreditou que uma revolução fotográfica estava tendo lugar na história. Preferiu continuar como estava e não aderiu a era digital.

Eis aí a força da tradição. Algumas igrejas são como a Kodak: não se modernizaram. A Kodak quis manter a tradição e faliu, da mesma forma as igrejas que insistem em manter uma liturgia engessada de cem anos atrás estão falidas em suas cidades. Enquanto o mundo vive na era digital, essas igrejas vivem no passado, esquentadas por válvulas, esquecendo que o uso da era digital poderia contribuir para uma revolução de ideias. Haja vista algumas novíssimas denominações que têm seus galpões lotados a cada domingo, enquanto os velhos templos pentecostais estão vazios.

Uma geração anestesiada. Velhos e jovens marcham pela terra, quais zumbis, desorientados e perdidos no emaranhado da floresta eclesial.

Fonte: João de Souza | Compartilhado no PCamaral

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