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"Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim." – Jo 15.18

9 de setembro de 2009

Pregadores de meia tijela


Ouço relatos de discriminação contra pastores quando precisam preencher um cadastro de crediário, quando alugam casas ou fazem o “check in” do hotel.

O senso comum é que pastores são Ladrões e Lobos, sempre ávidos por dinheiro.
Perguntaram para o Sr. Eugene Peterson em um avião que ia em direção a Ásia, o que você faz da vida ? “Sou pastor”, respondeu. O que se seguiu foi constrangedor: “Pastor, responda-me, por favor: por que, quando viajo perto de um monge budista, tenho a sensação de estar ao lado de um santo homem de Deus, mas junto de um pastor, fico com a impressão de que estou acompanhado de um homem de negócios ?”
Para ministrar uma mensagem para o coração do brasileiro é preciso mais que artimanha para transmitir. O conteúdo da enorme maioria dos sermões restringe-se a chavões surrados, reciclados e esvaziados, por excessivo uso. Os versículos usados são restritos a cerca de uns cem, preferivelmente descrevendo a vitória na guerra e milagres excepcionais, como o mar que se abriu e o sol que parou. Os melhores evangelistas decoram esses poucos textos para citá-los feito metralhadora no meio do sermão. A arte da pregação funciona bem para os que já se acostumaram com a linguagem daquele ambiente, mas para quem precisa organizar os conceitos para melhor entendê-los não bastam as frases prontas.
Para pregar uma mensagem para o coração brasileiro é preciso que o discurso se alicerce na credibilidade. Cansados de corrupção, de enganos e de ouvir contos-do-vigário, o povo precisa confiar que os pregadores não participam da mesma cultura dos caudilhos, dos coronéis, das elites que só se locupletaram com a miséria. Se os líderes religiosos passarem a idéia de serem espertalhões, as pessoas os procurarão apenas para “conseguir” uma bênção, mas nunca organizarão a vida a partir de seus valores. Assim os pastores e pregadores se condenam a meros feiticeiros, que sabem acessar o sobrenatural para alcançar milagre. A magia substitui o discipulado, e a técnica, o relacionamento humano.
Para pregar uma mensagem para o coração brasileiro é preciso que haja sintonia entre o sermão e a vida. Não adianta lidar com conceitos que fazem todo sentido numa torre de marfim, mas que não se conectam com a difícil realidade. Como o evangelho não doura a pílula existencial, os pastores não podem ter a pretensão de que, “em tese”, o crente literalmente anda sobre as águas, pega em serpentes sem ser picado e bebe veneno. Mesmo cristãos, mulheres e homens pegam ônibus lotados, esperam semanas por uma vaga em ambulatórios públicos e sobrevivem desempregados das rendas do governo.
Para ministrar uma mensagem para o coração brasileiro é preciso que se fale com poesia e com ternura. Em “Casa-Grande & Senzala”, Gilberto Freyre atribui o jeito manhoso e delicado do brasileiro à influência das negras na educação do Brasil colonial. “Dói dos grandes tornou-se o dodói dos meninos. Palavra muito mais dengosa. A alma negra fez muitas coisas com as palavras, o mesmo que com a comida: machucou-as, tirou-lhes as espinhas, os ossos, as durezas, só deixando para a boca do menino branco as sílabas moles. Daí esse português de menino que no Norte do Brasil, principalmente, é uma das falas mais doces deste mundo”. A aspereza do mundo anglo-saxônico não combina com esse amolecimento da linguagem: “E não só a língua infantil se abrandou desse jeito, mas a linguagem em geral, a fala séria, solene, da gente grande, toda ela sofreu no Brasil, ao contato do senhor com o escravo, um amolecimento de resultados às vezes delicioso para o ouvido”.
Para pregar uma mensagem para o coração brasileiro é preciso que se restaure a dimensão lúdica da fé. Por décadas os missionários tentaram mostrar que fé combinava bem com austeridade. Reverência virou sinônimo de rigidez. Mas brasileiro chega atrasado, não se sente bem de terno e gravata e detesta ambientes protocolares.
Enquanto os cultos solenes exigiam becas, togas e hinos com música e métrica rebuscadas. O protestantismo manteve-se estrangeiro enquanto insistiu em liturgias suntuosas que não combinavam com a informalidade nacional. Os pentecostais conseguiram enorme penetração nos estratos mais populares porque contextualizaram os cânticos, improvisaram os sermões e bagunçaram a liturgia.
Para ministrar uma mensagem para o coração brasileiro é preciso que se faça teologia com tolerância. O fenômeno do duplo, e até triplo, pertencimento não é anomalia católica, mas um traço cultural. O brasileiro não se constrange de freqüentar e conviver com diversas influências espirituais. O protestantismo tupiniquim absorve, rapidamente, peculiaridades tanto do catolicismo popular quanto das religiões afro-brasileiras. Portanto, é preciso acabar com as intransigências que promovem ódios religiosos.
Finalmente, quero dizer que para  pregar uma mensagem para o coração brasileiro é preciso que se fale aos sentimentos mais que à mente; que se transmitam os afetos divinos e não os áridos pressupostos da teologia; que se promova a solidariedade; que se busque a justiça; e que se produza uma geração de mulheres e homens bons, parecidos com Jesus de Nazaré.
God always is praised.

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