A unção do Chico chicote.

Chico Chicote viveu em algum lugar do Pernabuco. Ele deve ter sido um homem perverso, aterrorizante, rigoroso no cumprimento da lei. Quando eu era criança, a simples menção de seu nome me apavorava. Eu e minhas irmãs, Jaqueline e Janaina, éramos muito bagunçeiros; para nos corrigir, papai e mamãe nos puniam com autoridade máxima, mas antes ameaçavam: “Agora os três vão entrar na lei do Chico Chicote”. Assim começavam as sessões de tortura, cada qual mais apavorante que a outra.
Em nome do Chico Chicote, apanhei de cinturão, fio elétrico e varinha de marmelo. O pior de todos vinha com uma mangueira de plástico que pendia de um filtro de parede.
Dizem, não sei se verdade, que Chico Chicote pegava as crianças malcriadas e respondonas, assim como existe o “bicho papão” o “Lobo mal” e o “velho do saco”.
Certa vez Recebei um convite para ministrar a palavra em uma vigília.
Como não deram nenhum tema, então preguei que devemos buscar primeiro as coisas do céu e os demais seria acrescentada. Assim que terminei, entreguei o microfone e me sentei.
O Pr. Erivaldo Coelho da Igreja Assembléia de Deus Primitiva (a marca do pentecoste) Pegou o microfone e disse num tom bem arrogante: “Eu sou o Pastor presidente aqui e essa palavra de nada valeu, pois temos que buscar as coisas da terra também, porque damos os dízimos e ofertas pra isso, o que é do céu Deus dá quando quiser nos dar e pronto, mas o que é da terra temos por direito.”
Continuou... ”não fique chateado amigo, mas você não sabe pregar muito bem, talvez seja porque você ainda é muito jovem e tem que aprender a lidar com “deus”, vamos levantar um clamor, vamos decretar vitória sobre nossas vidas, quem tiver algum tumor maligno venha à frente e será curado agora, desempregado também, pode vir, causa na justiça vai ser resolvida.”
Entrei na unção do Chico Chicote.
Dois dias depois esse video foi divulgado no yotube e a igreja quase faliu por falta de sabedoria.Tudo bem se eu não sei pregar, mas usaremos o bom censo.
Cruel, mas verdadeiro. Horrível, mas acontece. Meninos, adolescentes, jovens, sempre têm culpa no cartório. Hoje, faltando sete meses para completar vinte e oito anos de idade, descobri que adultos também são indesculpáveis. 
Aprendi com o pastorzinho de meia tijela que a lógica do Chico Chicote serve de fuzil nas mãos dos lideres religiosos. Já cansei de ouvir alguns lobos afirmarem:
“Vocês são pecadores e devem se arrepender caso queiram ser poupados da ira de “deus” e das maldições do diabo”.
Sem medo de errar, alguns apontam o dedo e arriscam uma condenaçãozinha extra:
 “Logo, logo, seus pecados lhe alcançarão; submeta-se ou se prepare para a maldição que vem sobre a casa, filhos e empresa dos desobedientes”.
 Fora aqueles teologos de fundo de quintal que sabem arrancar dinheiro:
“Se você está com o dizimo atrazado, vá preparando o lombo para as pragas que “deus” enviara sobre toda sua familia”.
Será mesmo que a mensagem de Jesus de Nazaré precisa de ambientes carregados de culpa e pressão? A mensagem cristã se confunde mesmo com a visão mórbida e pessimista da condição humana, que se disseminou na Idade Média? Não há como anunciar Jesus sem esse pessimismo antropológico que descreve a história humana como indigna, infeliz e caída?
Para esses lobinhos, a humanidade vive em guerra, querendo satisfazer os desejos da carne, que não passa de lama. E a humanidade está perdida porque se recusa a desejar a “coisas santas” (entenda-se por coisas santas, sacrifícios, penitências, sofrimentos). Como as pessoas precisam do corpo para viver, da libido sexual para se reproduzir e dos apetites para dar gosto ao dia-a-dia, a luta começa perdida. Sim, para alguns religiosos, a humanidade vem ao mundo debaixo de condenação; “todos réus da ira divina”.
Acontece que Jesus nunca foi discípulo do Chico Chicote. Quando contemplou o sofrimento das multidões, o Nazareno disse: “Eu os vejo como ovelhas sem pastor” – Marcos 6.34. Cristo não titubeou quando declarou: “As meretrizes vão entrar no reino antes dos sacerdotes” – Mateus 21.31. E Paulo, muito citado para legitimar a dureza do juízo sobre os pecadores, escreveu que “a bondade de Deus é que leva alguém a querer mudar”. Romanos 4.2.
O evangelho é boa notícia não porque se resume a anunciar que Deus se dispôs a amar os desgraçados. A notícia boa do Evangelho anuncia que Deus não trata a humanidade com ódio. Ele quer a todos como filhos queridos, apesar das inadequações e, até, das impiedades. Deus não é antipático. No dia do nascimento de Jesus, ouviu-se no céu uma retumbante declaração: “Glória a Deus nas alturas, paz na terra aos homens (e mulheres) a quem ele quer bem”.
Deus prefere abraçar a chicotear, beijar a rejeitar, perdoar a castigar. Ele é mãe e pai, irmão e amigo, ajudador e advogado.
A unção de Chico Chicote pertence ao mundo dos perversos; Deus não é cruel. Meus pais, coitados, não eram malvados, apenas mal informados sobre educação infantil. Mas como Pai e pregador do evangelho, tenho a obrigação de não repetir os seus erros.

God always is praised.