A Justiça Federal em São Paulo anulou a portaria do ex-ministro de Relações Exteriores José Serra (PSDB) que concedeu no ano passado passaporte diplomático ao pastor da Igreja Internacional da Graça de Deus, R. R. Soares.
A decisão desta quinta-feira (11) é mais uma derrota de líderes religiosos na Justiça que foram beneficiados com o documento que, na prática, permitia ao pastor e sua mulher, também beneficiada com o documento especial, a ter acesso à fila de entrada separada nos países e vistos gratuitos, quando necessários aos brasileiros.
No ano passado, a Justiça já havia determinado a suspensão e o recolhimento dos passaportes dos pastores. Agora, o juiz anulou o ato do Poder Executivo que concedeu o benefício. A rigor, o documento é concedido a autoridades que, entre outros motivos, viajam para representar os interesses do país.
"A Portaria de 28 de junho de 2016 do Ministério das Relações Exteriores deve ser anulada em razão de manifesta ilegalidade ocasionada tanto pela ausência de motivação idônea, como pelo desvio de sua finalidade, o que, em última análise, fere a moralidade administrativa", assinala a juíza da 7ª Vara Federal Cível de São Paulo, Diana Brunstein, na decisão.
A sentença foi expedida na ação popular movida pelo advogado Ricardo Amin Abrahão Nacle questionando a concessão do benefício aos religiosos. A decisão é de primeira instância e ainda cabe recurso.
Apesar de citar uma portaria do então ministro José Serra, o tucano não é alvo da ação, pois a Justiça Federal entendeu que ele deveria ser excluído do processo e que a União Federal, por meio da Advocacia-Geral da União, deveria responder pelo caso.
Na decisão, a magistrada ainda refuta o argumento dos líderes religiosos de que eles possuiriam "relevância nacional necessária" e aponta que o Estado brasileiro é laico. "As viagens missionárias dos corréus são indubitavelmente constantes, porém, como dito na própria contestação, visam defender os interesses da Igreja, propagando a doutrina cristã e isto não representa os interesses do país, que como organização estatal é laico e, portanto, neutro em relação às mais diversas crenças e religiões, cabendo apenas garantir e zelar pela liberdade de consciência e de crença, assegurando livres manifestações religiosas, nos termos do artigo 5º, VI da Constituição Federal", segue a sentença.
A juíza também analisou os argumentos de que a concessão do benefício buscava dar isonomia aos líderes religiosos, já que durante o Brasil Império líderes católicos receberam o passaporte. O magistrado lembrou que, durante o Império, o Estado não era laico e que, portanto, não caberia comparar a situação com a de outros líderes religiosos. "Modificado este princípio fundamental do Estado, a atenção à isonomia se dá com a não concessão do passaporte diplomático a qualquer líder religioso, inclusive os católicos, não a extensão desta prática reconhecidamente arcaica e inconstitucional, que ofende a isonomia entre líderes religiosos e os demais Cidadãos", afirma a sentença.
O benefício a RR Soares e sua mulher não foi o primeiro concedido pelo governo federal. Em 2013, durante o governo Dilma Rousseff, o líder da Igreja Mundial do Poder de Deus, Valdemiro Santiago de Oliveira, e a mulher dele, Franciléia de Castro Gomes de Oliveira também receberam o benefício. Outros líderes de igrejas também já receberam o documento, que dá direito ao uso de uma fila especial nos aeroportos, mas não dá imunidade diplomática.
Com menos de uma semana no cargo, em maio deste ano, José Serra concedeu o mesmo benefício para o pastor Samuel Ferreira e a mulher Keila, também pastora, da Assembleia de Deus.
O sistema de concessão de passaportes diplomáticos foi alterado em 2011, depois de revelado que os filhos e netos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinham o documento mesmo depois da sua saída do governo e de não serem menores de idade, como determinava o decreto sobre o tema. Na época, a legislação dava ao ministro o poder de decidir quem poderia receber o passaporte em casos considerados de interesse nacional – o então ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, concedeu o documento aos filhos de Lula pouco antes do final de seu governo, em 2010.
O advogado Alexandre Henrique, que representa o pastor e sua mulher, diz que vai recorrer da decisão, que classificou de "muito fraca". "Acredito que a decisão vai ser reformada. O desembargador do caso já negou a liminar que mandava recolher os passaportes no ano passado. Acreditamos que essa decisão também deve ser revista no Tribunal (Regional Federal da 3ª Região)", disse.
( Época)
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