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"Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim." – Jo 15.18

12 de abril de 2010

A tragédia no Rio e a teologia da incoerência

Por César Moisés

O que aconteceu no Rio e, com maior intensidade em Niterói, é a mais nova tragédia ocorrida neste ainda início de 2010, que nunca removeremos de nossas memórias. Os números são alarmantes: 223 mortos, 161 feridos, 11 562 desabrigados, 10,3 milhões de moradores atingidos e 22 municípios afetados. Este é o saldo ― parcial e inconclusivo ― da desgraça que se abateu sobre os cariocas e fluminenses no início dessa semana. Olhando pela frieza dos números, não é possível aferir a dor real, latente e desesperadora que toma conta de cada pessoa que, de uma forma direta, foi atingida pela catástrofe. Os números escondem a história de vida de cada vítima, servindo como atenuante do que, de fato, essa tragédia representa para aqueles que ficaram apenas com a terrível dor da separação.

Walmir com o filho nos braços após o resgate (Foto: André Teixeira / Agência O Globo)

Os que me conhecem de perto sabem que sou bastante chorão, não tendo, portanto, nenhuma dificuldade nesse aspecto, mas a matéria que li ontem no G1 era realmente trágica (Veja aqui). Essas matérias ― que não apenas apresentam estatísticas e não reduz as vítimas a algarismos ― conseguem mostrar no plano existencial o que realmente significa essa catástrofe. Tenho uma filha que muito amo e uma esposa maravilhosa. A primeira coisa que a gente faz nessas horas é pensar: E se fosse comigo!? Não pude deixar de colocar-me no lugar desse pai. Confesso que foi difícil, pois imaginei-me na mesma situação! Assisti a mãe, em prantos, dar a seguinte declaração a uma jornalista: “Eu entendi o que é ser mãe e, agora, preciso recomeçar”. Não sei se ela é uma pessoa que conhece a Deus, mas independentemente de ser ou não cristã, essa senhora mostrou muito mais sobriedade do que muitos que supostamente utilizam a Bíblia para dizer sandices em blogs e nos púlpitos por aí. Vi um major dos bombeiros dizer que encontrou dois corpos ― mãe e filha ― abraçados, e que pelo fato de ele ter mulher e filha, mesmo tendo sido treinado a resistir a emoções, chorou. Será que o evangelho é menos solidário que o homem, criatura que o Senhor Jesus Cristo disse ― e que a gente sabe que de fato é verdade ― ser má (Mt 7.11)?

Por isso, da tristeza passei à indignação. Como pode ― pensei ―, em meio a tantas mães e pais inconsoláveis, levantarem-se supostas “vozes proféticas” e arrogantes que se autoproclamam “ultraortodoxas”, dizendo que Deus está “pesando a mão” sobre o Rio de Janeiro? Eu vejo gente irresponsável que parece nem ter tido um encontro com Deus, cuja visão não alcança nada além do seu próprio umbigo, querendo dar uma de Jonas, à porta de Nínive, falando o que não convém. Nessas horas tenho um pensamento antidemocrático: tal site, blog, jornal, programa, igreja, ou seja lá o que for, deveria ser censurado, fechado, retirado do ar, e ainda responder a processos contra a memória das vítimas e pelo desrespeito de ferir a sensibilidade dos parentes. Alinho-me com Millôr Fernandes que disse certa vez: “Democracia é eu mandar em você. Ditadura é você mandar em mim”. Traduzindo: juízo de Deus quando atinge os outros; infortúnio, desgraça e “vontade de Deus” quando eu sou atingido. A lógica ― absurda ― é mais ou menos essa. Eles podem me indagar: E você, tem alguma resposta? Sim, mas não de origem transcendental. Na maioria das vezes não sabemos quase nada sobre nós mesmos, como vou ter a ousadia e a insensatez de querer achar o que Deus pensa!? Bem, pode ser que os tais caçadores de desgraças tenham audiência com o Eterno (lembra-se daquela do capítulo primeiro de Jó?) e saibam de primeira mão àquilo que os meros mortais (como eu) não sabemos.

Se ainda for inquirido acerca de o fato da tragédia ter relação com o pecado, respondo sem medo de errar que sim! É claro que tem! Desde que a desobediência foi introduzida no mundo, e que a ganância tomou conta do homem, ele espolia, explora e expropria o seu semelhante. Submete-o a condições subumanas e, enquanto enriquece, não mostra-se nem um pouco sensibilizado ou envergonhado por saber que para o seu filho comer bem, o do outro revira os lixões das cidades. Para continuar no poder e locupletando-se, implementa uma política de fornecimento das mínimas condições de sobrevivência para as pessoas (isso, porque “escravo” morto ou doente é prejuízo para o explorador), enquanto presenteia o seu playboizinho com um carro do ano. Desde que nós, cristãos, nos afastamos do “mundo” e não queremos saber de política ― fazendo claramente uma opção pela omissão premeditada ―, que muitas vezes elegemos pessoas sem nenhum compromisso ou projeto social, que vão para lá apenas com o nome de cristão e depois envergonha a todos com seus péssimos exemplos. Foi por causa de todo esse conjunto de fatores (e não apenas da questão climática ou ambiental, como alguns insistem em ingênua ou maliciosamente, culpar) que toda essa catástrofe foi possível.

Em meio a toda essa tragédia, aparecem alguns “justiceiros” e resolvem fazer considerações teológicas. A teologia que esses elementos utilizam, é tão capenga, amadora e caolha, que nem no Antigo Testamento (onde Deus antes de uma grande destruição retirava os seus servos), encontra-se respaldo e fundamentação para a sua defesa. É tudo fruto da imaginação de um deus que eles idealizaram. Eles não formaram uma visão de Deus a partir das Escrituras onde Ele se revela. Não tenho dúvida de que o antropofagismo virtual (que os editores de blogs possuem pelos números do contador e dos visitantes online) que tomou conta das pessoas que buscam na desgraça uma forma de “prazer” ao ler notícias envolvendo mortes, crimes hediondos, etc. continua exercendo um poder de atração sobre muitos que se dizem cristãos. O legalista não gosta do Deus revelado na graça porque Ele não premia os que pagam suas contas, respeitam seus cônjuges, dão dízimo, oram e jejuam, e destaca-os diante dos que se sentem como o publicano retratado pelo Senhor Jesus em sua parábola (Lc 18.9-14). Os egoístas piedosos sabem que o seu legalismo só é interessante no plano horizontal e com pessoas de índole semelhante, pois os que realmente precisam de Deus, reconhecem-se indignos e totalmente incapazes de, por si mesmos, produzir algo para merecer a salvação. O lixo literário que atualmente encontra-se na blogosfera, é de uma leviandade, de uma baixeza, de uma mesquinharia e de uma mediocridade tão grande, que se não fosse cristão e lesse o que muitos escrevem, com certeza eu jamais ia querer ser crente.

Marcus havia completado 8 anos no dia 14 de março (Foto: Reprodução / Arquivo pessoal)

Certa vez Jesus mencionou dois casos parecidos com esses acontecimentos que o mundo tem presenciado desde o início desse ano, e ensinou algumas lições aos seus seguidores: “Nesse momento, aproximaram-se pessoas que relataram o caso dos galileus, cujo sangue Pilatos misturara ao dos seus sacrifícios. Ele lhes respondeu: ‘Pensais que, por terem sofrido tal sorte, esses galileus eram mais pecadores do que qualquer outro Galileu? Não, eu vo-lo digo, mas se não vos converterdes, perecereis todos do mesmo modo. E aquelas dezoito pessoas sobre as quais caiu a torre de Siloé e as matou, pensais que eram mais culpadas do que qualquer outro habitante de Jerusalém? Não, eu vo-lo digo, mas se vós não vos converterdes, perecereis todos da mesma maneira’”1 (Lc 13.1-5 – TEB). O comentário da nota de rodapé da TEB, diz o seguinte: “Duas declarações paralelas de Jesus tiram a lição de dois acontecimentos trágicos recentes. Segundo o conceito corrente da contribuição temporal, os seus ouvintes vêem neles castigos divinos infligidos a pecadores; e o fato de que eles próprios foram poupados os tranqüiliza quanto à sua própria justiça. Jesus rejeita esta visão simplista (cf. Jo 9,2-3); ele mostra nessas desgraças uma advertência dirigida a todos: todos são pecadores, todos têm de se converter”.2

A única coisa que me consola, é ver que existe muita gente solidária que está se doando para auxiliar as pessoas atingidas pela catástrofe. Vi uma matéria hoje no programa Movimento Pentecostal que mostrou que existem muitos cristãos sérios e solidários. Pastores estão abrindo suas igrejas para abrigar as pessoas que perderam tudo. Assisti também a uma reportagem que mostrava uma senhora de oitenta e dois anos, ao lado de uma menina de apenas dez, ambas fazendo a mesma coisa: ajudando! A senhora disse que gosta de ajudar aos seus irmãos e a garotinha, por sua vez, afirmou que viu tanta gente perdendo as casas e a vida, que ela sentiu obrigação de ajudar. E onde é que estão os proponentes da teologia da incoerência? Eles encontraram uma forma eficaz de serem omissos, e ainda passam uma imagem de piedade: “Se Deus julgou eu não vou fazer nada para ajudar”. Entretanto, na própria lei mosaica, existiam regras que demonstram muito mais humanidade do que esse “evangelho xiita” que muitos atualmente professam, parecendo até que estão mais empenhados em uma jihad particular (ninguém se engane, o único objetivo desse povo é a sua autopromoção) do que na expansão do Reino de Deus. Desse tipo de “evangelho”, eu quero distância, pois cada vez mais sinto necessidade de identificar-me com gente de verdade, prefiro a fé enactante (fé em ação) de pessoas como os irmãos de Niterói, bem como da anciã e da menina acima citadas, e ainda a do seu Walmir, pai do menino Marcus Vinícius que, segundo o sofrido pai, pode ser descrito da seguinte forma: “Marcus Vinícius era uma pessoa que tinha o poder de semear a semente do bem onde chegava, seja lá o lugar que fosse. [...] Eu pedi para todo mundo, se quiser lembrar do meu filho, é só pensar na amizade. É assim que vou lembrar do meu filho para o resto da minha vida. Essa saudade vai ficar, mas o amor nunca vai deixar de existir”.


***
Fonte: César Moisés. Divulgação: Púlpito Cristão


NOTAS

1 Tradução Ecumênica da Bíblia. 3.ed. São Paulo: Loyola, 1994, p.2006.
2 Ibid.

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