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"Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim." – Jo 15.18

5 de janeiro de 2010

De volta ao primeiro amor

* Certa cantora gospel brasileira, cercada de milhões de fãs, com suas músicas sendo executadas por todas as rádios do gênero e cantadas na maioria das igrejas por solistas que usam seus playbacks, encontra uma amiga de infância que continua no meio evangélico, só que numa igreja tradicional. Chamarei essa cantora de Fulana. Nessa ocasião, Fulana conta à sua amiga o que lhe tem acontecido em todos estes anos: os prêmios que ganhou, alguns detalhes das centenas de apresentações que tem feito no Brasil e no exterior, os discos que gravou, o patrimônio que construiu ao longo dos anos… Aquela mulher, que tivera bastante intimidade com Fulana antes dela ficar famosa, ficou espantada com a mudança de sua antiga amiga e indagou, num misto de indignação e compaixão: 

- Fulana, o que o dinheiro fez com você? 

* Aquela conversa foi difícil. Foi uma bordoada atrás da outra. Fulana percebeu que, mesmo sem querer, tinha-se tornado mais uma mercenária entre tantos outros no meio gospel. Foi então que ela teve uma idéia ousada: cancelou todos seus compromissos do mês seguinte e decidiu criar um disfarce para visitar pequenas igrejas ao longo do interior do Brasil no referido mês. 
* Com sua vasta cabeleira morena escondida debaixo duma peruca loira cacheada e usando óculos escuros, Fulana visitou uma igreja por semana: uma Assembléia de Deus em Volta Redonda/RJ, uma igreja batista em Sorocaba/SP, uma igreja presbiteriana em Londrina/PR e uma Igreja do Evangelho Quadrangular em Varginha/MG. Assistiu a todas as programações de cada igreja, inclusive as Escolas Bíblicas Dominicais. Queria muito mais do que testar sua popularidade: seu principal intento era o de descobrir o que a maioria pensa do comportamento dos músicos do meio evangélico atual e que cada um sugeria para acabar com a transformação do Evangelho em objeto de lucro. 
* Fulana ficou horrorizada com algumas opiniões e principalmente por ter sido citada em várias delas (isso porque ninguém sabia que era dela que estavam falando). A quem perguntava seu nome, Fulana dizia seu apelido de infância e tentava, a muito custo, disfarçar sua voz inconfundível. Sempre que perguntavam por que usava óculos escuros inclusive à noite, a moça desconversava: "Não é nada de mais, não". Quanto à sua igreja de origem, limitava-se a dizer que era duma igreja batista do Rio de Janeiro. O mais difícil foi conter seu vozeirão nos momentos de hinos e cânticos. 
* Uma das situações mais difíceis dessa jornada em meio a seus consumidores (infelizmente é assim que muitos profissionais do meio gospel tratam aqueles que são responsáveis por engordarem suas contas bancárias) foi em sua última visita, na cidade mineira de Varginha. Uma jovem fez um solo com uma das músicas mais conhecidas de Fulana, que assistiu a cena com o coração saindo pela boca e suando frio; afinal, ela costumava achar defeitos em todos aqueles que cantavam suas músicas, e aquela adolescente era uma das poucas que cantava melhor que ela… Fulana não agüentou e foi conversar com a jovem: 

– Parabéns, gostei muito de seu solo! Que Deus a abençoe! Você canta desde pequena? 
– Sim, eu canto desde os nove anos. Sempre fui fã da Fulana, ela canta muito! Meu maior sonho é cantar com ela! 
– Mas o que é mais importante para você, a mensagem ou quem canta? 
– Bem, a mensagem, claro! – respondeu a menina, um tanto espantada com a pergunta de sua interlocutora. – Mas se eu fosse a Fulana, eu procuraria apresentá-la da melhor maneira possível. Deus merece o melhor, não é mesmo? 
– E se a Fulana estiver abusando disso a ponto de transformar a mensagem cantada de Cristo em mercadoria? E se ela estiver deixando de ser uma ministra do Evangelho para tornar-se uma artista, uma popstar? 
– Moça, por acaso você é alguma repórter disfarçada? – replicou a adolescente, já incomodada com a ousadia da desconhecida. 

* Fulana, então, suando frio e engolindo em seco, olhou para cima, balbuciou umas palavras como se estivesse orando em voz baixa e pediu à menina que a levasse até seus pais. Apresentou-se a eles com seu apelido e perguntou-lhes se poderia dormir na casa deles naquela noite antes de voltar para o Rio de Janeiro. Ao receber resposta afirmativa, saiu de mansinho, ligou para seu marido – que estava hospedado num hotel em Varginha – e foi com aquela família para a residência deles, uma humilde residência na periferia daquela cidade. 
* Era uma casa ainda em fase de acabamento, com as paredes ora chapiscadas, ora rebocadas, ora com tijolos ainda à mostra. Havia mofo e infiltrações em alguns cômodos. O banheiro está cheio de baratas mortas, resultado da recente aplicação de inseticida. Mesmo assim, o chefe daquela humilde família dizia: "Nós é pobre mas é limpim". Na sala, a foto do filho mais velho do casal, preso por tráfico de drogas, objeto de constantes orações daquela aflita mãe. Ao referir-se a ele, a matriarca não conseguia conter suas lágrimas. Incomodada com a presença da estranha naquela casa, a adolescente trancou-se no quarto para ouvir pela enésima vez o último CD da Fulana… Até que seu pai a chamou para o jantar. 
* Aquele seria o jantar mais surpreendente da história daquela família. Sobre a mesa, apenas arroz, feijão, carne de panela e salada de alface com cebola, além de dois litros de tubaína. Como era de costume, os anfitriões pediram à visitante que orasse. Fulana se esqueceu do disfarce e dirigiu-se a Deus da seguinte maneira: 

– Senhor Deus e Pai, Criador do Céu, da Terra e de nossas vidas, eu Te peço que abençoes este alimento e esta família que me acolhe nesta casa. De uma maneira especial, eu Te peço perdão por finalmente perceber o quanto tenho sido infiel a Ti. Tenho transformado o dom que Tu me deste em objeto de lucro e a mensagem que Tu me incumbiste de transmiti-la ao mundo em mera mercadoria. Senhor, Tu me chamaste para ser sal e luz, mas finalmente percebi que o sal se tornou insosso e a luz foi ofuscada por causa da fama, do sucesso, do dinheiro, dos aplausos… 

* Fulana mal conseguiu proferir as palavras seguintes. Desabou a chorar. Durante a oração, arrancou a peruca, desfez o coque e jogou os óculos escuros no chão. A menina não se conteve: abriu os olhos e ficou petrificada de assombro ao ver seu maior ídolo, sua maior musa inspiradora, bem na sua frente, debulhando-se em lágrimas e arrependendo-se de todos os excessos cometidos ao longo de sua carreira de tantos anos! E os pais dela continuavam com os olhos fechados, respondendo "Amém!", "É verdade, Senhor!", "Tem misericórdia, Senhor!". 
* Terminada a oração, os pais da cantora abriram os olhos e quase caíram para trás de susto. 

– Sou eu mesma – revelou Fulana. – Desculpe-me por fazer vocês passarem por uma situação destas. Mas eu precisava descobrir onde eu estava errando e o que eu deveria fazer para voltar a ser uma cantora totalmente comprometida com a obra de Deus, sem ostentação, superexposição, apego às coisas terrenas… Precisei sair do pedestal onde eu me encontrava para perceber o quanto eu estava desviada do plano que Deus tinha traçado para meu ministério. Não é justo eu viver como uma artista, como uma celebridade, enquanto a maioria do povo que ouve minhas músicas, que compra meus CDs e DVDs, tem que matar um leão por dia, passando por dificuldades. A partir de agora quero dedicar-me a meu ministério como nunca o fiz em toda minha vida. Quero buscar o Reino de Deus em primeiro lugar, sem colocar as demais coisas acima dEle. A partir de agora, quero deixar de viver às custas do Evangelho como uma mercenária e permitir que Cristo viva em mim e me capacite a apresentá-lo ao mundo sem transformar a casa de Deus num covil de ladrões! 

* Nascia ali uma nova Fulana. Ou melhor, Fulana voltava a ser como no início de sua vida cristã, voltou a ter a consagração e o ardor missionário do início de seu ministério. A partir daquele momento, aquela famosa cantora gospel faria tudo o que estivesse a seu alcance para nunca mais ser motivo de escândalo para ninguém. Devolveria todos seus troféus, venderia boa parte de seus bens e doaria o dinheiro para entidades beneficentes cristãs e para diversas obras missionárias, mudar-se-ia para um sobrado no bairro carioca da Lapa, rescindiria seu contrato com a gravadora que praticamente construíra sua carreira… Para gravar seu próximo CD, ela teria que dar uma boa quantia de seu próprio bolso para pagar um estúdio desconhecido e começar seu ministério praticamente do zero… 
* Mas tudo parecia ter um gosto diferente. O anonimato era muito melhor! Agora ela tinha todo o tempo do mundo para dedicar-se à sua família, seus amigos, seus irmãos em Cristo na igreja onde congregava… Ela agora podia fazer compras, passear com seus filhos, visitar seus parentes e fazer uma série de outras atividades que o corre-corre e a tietagem não permitiam que ela fizesse. Ela finalmente estava livre para servir a Deus e pregar Seu Evangelho com toda autoridade e disposição, sem ser escravizada pela fama e pela ditadura do mercado fonográfico gospel. Meses depois, ao ser abordada por um repórter que queria saber como ela se sentia ao abandonar as glórias do mundo das celebridades de seu gênero musical e construir uma nova carreira, mais humilde e com poucos recursos, Fulana foi enfática: 

– Antes eu era uma artista. Agora sou uma missionária! 

* Esta é uma história fictícia, mas poderá ser real um dia se boa parte dos cantores evangélicos que tem feito fama e fortuna no meio cristão se derem conta do quanto estão sendo incoerentes com o Evangelho que tentam pregar, trocando o exemplo de Jesus pelo apego às coisas terrenas. "Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade; cada um considere os outros superiores a si mesmo" (Filipenses 2:3).

Paulo Martins de Oliveira Belo
(recebi por e-mail do autor e leitor do nosso Blog)

2 comentários:

  1. Que pena, mera ficção.

    Bem que poderia ser verdade.

    Abraços

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  2. Espero que tenham gostado de meu conto. Embora eu não tenha certeza se o perfil da Fulana se encaixa na cantora que me inspirou a criar a personagem, não quero revelar quem é para não ser processado, huahuauauhua...
    O importante é que deixemos de fingir que a música gospel passa pela melhor fase de sua história. Muito pelo contrário: estamos descendo a ladeira, para não dizer o abismo, no que diz respeito à descaracterização da música sacra, que está cada vez mais parecida com a música secular. Não somente pelo conteúdo dos cânticos, mas também pelo testemunho de seus representantes.
    Que Deus tenha misericórdia de nossos músicos, fazendo-os se lembrarem de seu primeiro amor. Amém.

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