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"Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim." – Jo 15.18

9 de abril de 2010

A dor do Haiti: lições a aprender

Alderi Souza de Matos

Recentemente, as pessoas ao redor do mundo ficaram chocadas com o devastador terremoto que sacudiu o Haiti, no Caribe, na tarde do dia 12 de janeiro de 2010. O que tornou a situação particularmente dolorosa foi o fato de esse pequeno país de quase 10 milhões de habitantes ser o mais pobre das Américas. Por uma grande ironia, o abalo sísmico, que alcançou 7 pontos na escala Richter, limitou-se ao território do Haiti, não atingindo a vizinha República Dominicana, que compartilha a mesma ilha de Hispaniola. Mais ainda: o epicentro ficou localizado logo abaixo da capital, Porto Príncipe, que foi quase inteiramente arrasada. O número de mortos foi estimado em mais de 100 mil, entre eles cerca de dezoito militares brasileiros, o diplomata Luiz Carlos da Costa e a Dra. Zilda Arns, fundadora e líder da Pastoral da Criança. Como cristãos, que lições podemos tirar dessa horrível tragédia?

Cuidado com a teologia
Quando ocorrem catástrofes dessa magnitude, surgem as mais diferentes teorias tentando explicar o que aconteceu. Em conversa informal que não sabia estar sendo gravada, o cônsul geral do Haiti em São Paulo atribuiu o ocorrido à religião praticada por cerca de metade dos haitianos, o vodu, semelhante à umbanda e ao candomblé existentes no Brasil. No seu entender, isso trouxe uma maldição sobre aquele povo. Infelizmente, muitos cristãos também fornecem explicações simplistas para esse tipo de acontecimento, apresentando meras opiniões como se fossem verdades inquestionáveis da Escritura.

À luz da Bíblia, cremos que a humanidade sofre as consequências dos seus pecados, de sua alienação do Criador. Todavia, é temerário procurar identificar de modo preciso a relação entre Deus e eventos específicos como o terremoto do Haiti. Dois erros podem ocorrer aqui. Um deles é simplesmente afirmar que Deus causou essa tragédia para manifestar o seu juízo sobre aquele povo. Se fosse assim, por que a maior parte da população sobreviveu? Por que não ocorrem catástrofes semelhantes entre outros povos com as mesmas características? Além disso, entre as vítimas fatais certamente estavam cristãos fieis, pessoas tementes a Deus, que não deveriam ter perecido. Comentando uma tragédia ocorrida no seu tempo, Jesus dissuadiu as pessoas de tirar conclusões muito rápidas desses eventos (Lc 13.4-5).

Todavia, outro erro é afirmar que Deus nada teve a ver com o que ocorreu, que ele foi pego de surpresa, que tudo foi fruto das circunstâncias. Colocar Deus nessa posição é fazer dele um mero espectador do que acontece no mundo, um personagem que está à margem dos eventos, um simples coadjuvante no drama da existência. Qual o melhor caminho? Admitir que não temos respostas claras para todas as situações de dor vividas pelos seres humanos, que há elementos de perplexidade neste mundo caído, que o sofrimento muitas vezes é incompreensível. Ao mesmo tempo, devemos reafirmar a nossa fé no poder, na justiça e no amor de Deus, bem como no seu profundo envolvimento com a criação.

Um pouco de história
O Haiti é fruto de um horrível pecado do Ocidente -- a escravidão. Pouco depois que Cristóvão Colombo reivindicou essa região para a Espanha (1492), começaram a chegar escravos africanos, que eventualmente substituíram a população indígena original, dizimada por doenças e maus tratos. Com o tempo, também foram para lá piratas e colonos franceses, que se dedicaram ao plantio da cana-de-açúcar. Em 1697, a ilha de Hispaniola foi dividida entre a Espanha e a França. Na época da Revolução Francesa (1792), os escravos se rebelaram e conquistaram sua libertação. Alguns anos depois, quando os franceses tentaram restaurar a servidão, foram derrotados por um exército comandado por Jean-Jacques Dessalines, sendo a independência proclamada em 1º de janeiro de 1804. A nova nação recebeu o antigo nome indígena Ayiti ou Haiti ("terra de altas montanhas").

As perspectivas pareciam auspiciosas. O Haiti foi o primeiro país latino-americano a alcançar a independência e o único em que escravos de origem africana fizeram uma rebelião bem-sucedida. Todavia, carente de instituições sólidas, desde o início o país teve governantes incompetentes e autoritários. A situação chegou ao ápice durante a ditadura corrupta dos Duvalier, pai e filho. A miséria, a ignorância e a violência generalizada criaram uma situação de caos nas décadas seguintes, até que finalmente a comunidade internacional resolveu intervir de maneira construtiva. Desde 2004 vem atuando no país uma força de paz das Nações Unidas, cuja parte militar é liderada pelo Brasil. As consequências do terremoto representam um triste retrocesso nessa experiência que estava trazendo tantas esperanças.

O que fazer
Quando ocorrem calamidades dessa natureza, a pergunta certa a fazer nem sempre é "por quê?", e sim "para quê?". Em outras palavras, deve-se buscar discernir o que se pode aprender, quais os desafios e oportunidades que isso representa, quais as ações concretas que devem ser empreendidas. Para as nações prósperas, o caminho a seguir parece claro: investir maciçamente na reconstrução do Haiti, promover o seu desenvolvimento, incentivar o surgimento de instituições democráticas. Todavia, o país é pobre, tem poucos recursos naturais e escassa importância estratégica. Será que o mundo desenvolvido se sentirá motivado a ajudar? A atuação do Brasil tem sido admirável, tanto em números quanto em qualidade. Muitos soldados que pereceram no terremoto eram jovens idealistas que estavam empolgados em participar de uma causa tão nobre.

Os cristãos também têm um papel a desempenhar. Um bom exemplo foi dado pela médica catarinense Zilda Arns, que há décadas vinha liderando no Brasil uma campanha muito bem sucedida pela redução da mortalidade infantil causada pela desnutrição. Ela havia ido ao Haiti para falar sobre o tema e foi vitimada pelo terremoto logo após fazer uma palestra a um grupo de religiosos. O seu altruísmo, coragem e envolvimento prático deveriam servir de inspiração para os evangélicos brasileiros. Essas atitudes apontam para um conceito articulado há algumas décadas por líderes da Fraternidade Teológica Latino-Americana, como Samuel Escobar e René Padilla -- "missão integral". Só tem sentido, especialmente em países desesperadamente carentes como o Haiti, uma proposta de missão cristã que se dirija ao ser humano no seu todo, com suas múltiplas necessidades espirituais, emocionais e físicas.

Estamos vivendo o início de uma era que promete ser tremendamente desafiadora para o cristianismo, em termos mundiais. De um lado assiste-se ao crescimento vertiginoso do secularismo, de uma visão exclusivamente material da existência. De outro lado, ocorre uma expansão sem precedentes de outras religiões, como o islamismo, notadamente em suas versões militantes, fundamentalistas. Nesse caldeirão efervescente, os evangélicos brasileiros são chamados a dar o seu testemunho construtivo, deixando as posturas egocêntricas, a busca incessante de bênçãos e experiências místicas, e procurando servir os sofredores no espírito daquele que "andou por toda parte fazendo o bem" (At 10.38). Neste momento, um bom lugar para pôr isso em prática é o Haiti.
Revista Ultimato

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