Introdução
Um dos livros que mais tem sido lido e vendido nestes últimos meses é “A Cabana” de William P. Young.[1] Um livro que se propõe a ajudar a entender a trindade e o sofrimento tem sido amplamente aceito no meio evangélico. Uma rápida pesquisa na internet é possível encontrar pessoas testemunhando como o livro ajudou a suportar o sofrimento e a entender quem é Deus. Alguns chegam até a afirmar que tiveram um encontro real com Deus somente depois de ter lido o livro.
A questão a ser tratada neste trabalho é se a visão apresentada neste livro de fato é bíblica. Será apresentado os principais pontos explorados pelo autor e analisado à partir de textos bíblicos. Este trabalho tem o objetivo de mostrar que tipo de influência os leitores tem recebido deste livro.
1. Sobre o autor e sua obra
William Paul Young nasceu no Canadá e, juntamente com três irmãos mais novos, foi criado por seus pais missionários em uma comunidade tribal em Nova Guiné (Papua Ocidental). A família voltou para o Canadá onde seu pai pastoreou várias Igrejas. Young pagou seus estudos religiosos trabalhando como Dj, salva vidas e em diversos outros empregos temporários. Formou-se em Religião em Oregon, EUA. No ano seguinte casa-se com Kim Warren e teve seis filhos.
Conforme o próprio autor, este livro foi escrito inicialmente para seus filhos e poucos amigos, por um pedido de sua esposa, com o objetivo de ensinar a respeito da trindade enquanto tenta explicar porque o mal existe.[2] Em uma entrevista à um programa televisivo chamado Clube 700 ele revela que por 38 anos ele passou por grandes “feridas” e levou 11 anos para curá-las. Ele diz que o livro revela um pouco de como ele foi curado destas feridas. E espera que os leitores compreendam que Deus é maior que os homens e que ele está envolvido com a humanidade através de sua bondade.
2. Um breve resumo do livro
O livro conta a história de um homem chamado Mackenzie (que é chamado de Mack), que possui uma esposa chamada Nan e cinco filhos chamados Jon, Tyker, Josh, Katharine (Kate) e a mais nova chamada Melissa, ou Missy. Durante uma viagem com seus filhos, a sua filha mais nova, Missy, é sequestrada, maltratada e morta por um assassino de crianças. A única coisa que encontram é a roupa de Missy ensanguentada dentro de uma velha cabana. Passa-se muito tempo e a família começa a sofrer imensamente por causa da perda, a ponto de chamar esse sofrimento de “Grande Tristeza”. A outra filha, por sentimento de culpa, tem traumas sérios e começa a se afastar de toda a família.
Um dia Mack recebe um bilhete escrito por “Papai” (Deus) pedindo para que o encontre na mesma cabana. Intrigado vai até a cabana. Ao chegar lá o cenário é transformado e ele encontra a Deus Pai, Jesus e o Espírito Santo. Mack passa um final de semana inteiro com longas conversas e aprendendo acerca de quem é Deus, sobre a trindade e sua obra.
A história termina com Mack despertando desta “visão” misturada com a realidade e ele retorna para casa, mas agora transformado pela experiência. No meio do caminho sofre um acidente e acorda no hospital onde demonstra sua completa mudança que é passada para sua família que aprende, com a experiência de Mack, o que é ter um relacionamento com Deus.
3. Uma palavra inicial
Muitas coisas não são explicadas com muita clareza neste livro. No entanto, não devemos culpar o autor por isso, pois o livro não se trata de um livro de teologia sistemática, mas sim de um livro de ficção e romance que traz na história do livro ensinamentos doutrinários. Por isso, não me deterei em assuntos que não parecem ser centrais apesar de tentar transmitir alguma mensagem, seja ela bíblica ou não.
4. Sobre o sofrimento
Uma das características deste livro é que o autor defende que quanto mais uma pessoa conhece a Deus, melhor ela consegue entender e suportar o sofrimento. Este é um dos poucos pontos de vista que o autor tem sobre sofrimento que está de acordo com a Bíblia. Pois através do conhecimento acerca do amor de Deus, somos cada vez mais fortalecidos para enfrentar as provações (Ef. 3.14-21; 6.10-20).
No entanto, vemos mais falhas em sua visão do que acertos ao falar da ação de Deus sobre o sofrimento. No capítulo 11 ele deixa claro que sua intenção é tirar o conceito errôneo que as pessoas têm sobre Deus e sua relação com o sofrimento. No decorrer do livro Deus é apresentado como alguém que não pode controlar todas as coisas, pelo menos não as coisas desagradáveis, como no caso, a morte da filha de Mack. Mas que na verdade, o que Deus faz é usar o mal incontrolado para fazer algo bom (pg. 207). Se não bastasse, Deus é ainda apresentado como alguém que pede desculpas pelo abismo que havia se formado entre ele e Mack, pois na verdade, Papai não tinha poder suficiente para resolver esse abismo, pois se tivesse ele usaria, mas ele “não tem uma varinha mágica para fazer com que tudo fique bem” (pg. 83). Isso vai contra os ensinamentos das Escrituras que nos dizem que nenhum dos planos do Senhor pode ser frustrado (Jó 42.2). Na verdade, uma simples leitura do livro de Jó é possível perceber que Deus está no controle até mesmo das coisas aparentemente ruins.
Na tentativa de trazer consolo nos momentos de dificuldade, outro erro é cometido pelo autor. Ele tenta consolar dizendo que não devemos temer o futuro, pois o futuro não traz esperança, já que o futuro não existe. Neste sentido ele diz que o homem foi criado para viver o presente (pg. 129-130). Provavelmente olhando para textos como Mateus 6.27,34 ele chega nestas conclusões de que o homem não pode controlar o futuro. Provavelmente, esta visão também deve existir no autor por não compreender corretamente o que é fé, já que para ele, fé não tem nenhuma ligação com a certeza. (pg 176).
Ora, de fato, o homem não tem poder sobre o futuro, mas isso não quer dizer que ele não exista. Nem quer dizer que não possamos olhar para o futuro aguardando a esperança, pois Paulo mesmo é quem diz que as glórias que ainda serão reveladas nos dá força para enfrentarmos os sofrimentos (Rm 8.18). Quanto à fé, Hebreus 11.1 nos esclarece que fé tem total ligação com certeza: “Fé é a certeza de coisas que se esperam”.
5. Sobre a trindade
Outro tema marcante neste livro (um dos temas principais) é a trindade e a compreensão dela. No livro o autor apresenta a trindade como três pessoas distintas. Deus Pai é caracterizado por uma grande mulher negra. O Espírito Santo é caracterizado por uma mulher pequena, claramente asiática, um pouco transparente e iluminada – que às vezes se move para algum lugar apenas flutuando. Jesus é apresentado como um homem com aparência de alguém do Oriente Médio, que se vestia como um operário com suas ferramentas na cintura (pg. 74,75). A trindade é apresentada como se fossem três pessoas sempre muito bem humoradas, fazendo brincadeiras uns com os outros, como por exemplo, o Pai chamando Jesus de “sem-jeito” (pg 95,96). O ponto positivo que pode ser destacado sobre a visão que o autor tem sobre a trindade também é o maior ponto negativo. Ele expõe corretamente que as três pessoas da trindade são pessoas totalmente distintas, mas estão totalmente ligadas.
Isso é o que a Bíblia nos diz (1ª Jo 5.7). Ele também está correto ao afirmar que a trindade já é totalmente realizada nela mesma (pg 187) e que a trindade existe fora do tempo. Mas na tentativa de explicar como esta doutrina funciona ele cai em alguns erros, que será apresentado a seguir.
5.1. Quanto a relação entre as três pessoas da trindade
Já que os três são ao mesmo tempo um, o autor não consegue entender o relacionamento entre eles, como, por exemplo, quanto à economia da trindade. Para ele, dentro da trindade não há hierarquia nem obediência. O capítulo 8 do livro revela bastante este pensamento. Neste capítulo o autor apresenta uma conversa de Mack com a trindade enquanto tomam café. A conversa começa sobre o relacionamento entre a trindade e o relacionamento dos homens. A conversa muda para tratar de como Deus age na vida do ser humano permitindo que coisas ruins aconteçam.
Está correto ao dizer que a trindade se relaciona em amor e consegue viver sem intrigas, diferente da humanidade como o autor afirma. Mas, na tentativa de explicar o relacionamento entre a trindade ele diz que entre eles não há hierarquia e que também não há obediência entre eles. O fato de não haver diferenças entre glória, honra e poder entre as pessoas da trindade, não quer dizer que não exista hierarquia ou submissão e obediência. Dizer isto é não levar em conta textos onde o próprio Jesus se mostra submisso à vontade do Pai (Jo 4.34; Mt 26.39,42) ou textos que deixam claros que o Filho é submisso e obediente ao Pai (Fp 2.8; 1ª Co 15.28).[3]
Por conseqüência, o autor comete outro erro. No meio de uma conversa, ele apresenta Jesus falando:
“Como glória máxima da Criação, vocês foram feitos à nossa imagem. Se realmente tivessem aprendido a considerar que as preocupações dos outros têm tanto valo quanto as suas, não haveria necessidade de hierarquia” (pg. 113).
E a conversa gira em torno de todos os tipos de hierarquia que se encontra na sociedade seja ela política, familiar, ou até eclesiástica. Na verdade, qualquer tipo de hierarquia atrapalha relacionamento que, segundo o autor, Deus criou para que o homem tivesse.
Se há hierarquia dentro da trindade, não há porque não crer que qualquer autoridade humana não seja divinamente instituída. Isso pode ser encontrado tanto dentro da Igreja, quanto fora dela (Rm 13.1,2; 1 Pe 2.13), ou mesmo dentro da família (Ef 5.22,23).
5.2. Quanto à Deus Pai
Deus Pai aparece, na maior parte da história, como uma “dona de casa”, geralmente na cozinha e quase sempre cozinhando. Logo no início Deus Pai, ou “Papai” como é chamado, aparece dançando e batendo palmas com uma música que misturava funk com blues. Segundo “Papai”, ele ouve os corações por trás das canções. Ele é apresentado como alguém que depende de receitas de homens para cozinhar alguma coisa (pg 172) e alguém que fica ansioso na espera de algum momento (pg 173). Essa forma irreverente de apresentar a Deus, nada mais é que uma falta de respeito e desprezo pelo Deus que é “Santo, Santo, Santo”. Além de apresentar um Deus com fraquezas emocionais, erra ao dizer que Deus se importa mais com o coração do que com as ações, pois a Bíblia afirma que é do coração que procedem os maus
desígnios (Mt 15.19).[4]
Deus é apresentado como alguém que não proíbe nem faz o mal, mas que está sempre pronto para consertar algo que está errado. E muitas vezes, o Pai é apresentado como alguém injustiçado pelas religiões que dizem que o Senhor é um Deus de ira (pg. 174). Além do fato de muitas vezes o autor atacar instituições religiosas, ele procura esconder o atributo de Deus chamado Ira.[5]
Deus não pode ser injustiçado por homens, se na verdade é ele quem diz isso em sua Palavra (Na 1.2,3). O fato de Deus Pai ter sido apresentado como uma mulher negra, conforme ele mesmo diz, era para que Mack não tivesse uma imagem religiosa pré-concebida de Deus Pai, já que ele o imaginava como um velho de barba branca (pg. 83); mas, por uma incoerência do próprio autor, no final do livro, o Pai, se transforma na imagem pré-concebida de Mack. Em parte, ele está correto ao querer tirar da mente a ideia que Deus “é um velho barbudo” (mesmo que ele não faça) e está correto ao afirmar que Deus não é nem homem nem mulher (pg. 83). Mas erra quando é apresenta Deus como uma mulher, pois a Bíblia não o apresenta como mãe, mas sim como Pai (Gl 4.6). Está errado também ao querer trazer qualquer imagem para Deus Pai, visto que Deus é espírito (Jo 4.24) e por isso, Deus proíbe o fazer qualquer imagem dele (Ex.20.4), até mesmo uma imagem mental.[6]
5.3. Quanto à Cristo
Algumas verdades são ressaltadas no livro. Uma das verdades é a humanidade de Cristo. Esta humanidade de Cristo é bem nítida em toda a história, até mesmo durante as conversas, embora chegue à alguns exageros, como será mostrado a seguir. Outro acerto do autor é quando ele diz que quando vemos a Cristo vemos o Pai (pg. 101), o que está em acordo com a Bíblia que diz que Cristo é a revelação exata de Deus Pai (Jo 1.14).
O maior erro cometido pelo autor com respeito à Cristo é de não entender que Cristo possui uma natureza divina e outra humana. Ele afirma que quando Cristo se encarna ele deixa de ser o verbo divino, por isso, ele só consegue ser humano (pg. 100). A conclusão que ele chega é que sua divindade só é possível ser vista por causa da íntima ligação com as outras pessoas da trindade. Por exemplo, os milagres que Jesus fez enquanto estava na terra, não foi propriamente ele quem fez os milagres, mas o Pai que agiu por meio dele, chegando ao exagero de dizer que Jesus nunca usou sua natureza divina (pg 90). Outro erro grave está na sua tentativa de unir as três pessoas da trindade. Um exemplo disto está ao falar que o Pai e o Espírito Santo também morreram na cruz com Cristo (pg. 98). Por isso, ele mesmo diz que em Jesus, as três pessoas da trindade foram humanas (pg. 89).
Ao tentar entender racionalmente a maravilhosa doutrina da trindade, o autor peca por não conseguir distinguir as três pessoas. Ele tem dificuldade para entender que ao mesmo tempo em que eles são totalmente um, eles são totalmente três e é por isso que Cristo pode perguntar ao Pai “porque me desamparaste” (Mt 27.46). Outro exemplo é quando Cristo diz que tem que ir para que o outro consolador viesse, ao passo que se Cristo não fosse, o Espírito Santo não viria (Jo 16.7).
5.4. Quanto ao Espírito Santo
O Espírito Santo, que no livro se chama Saryu, é apresentado como se fosse um vento livre (pg 101) que anda como se estivesse flutuando, mexe as plantas apenas por balançar a cabeça e parece ser o único dos três que é de fato espírito. Ao que parece, este pensamento é influenciado por uma interpretação errônea de João 3, quanto à conversa de Jesus com Nicodemus.
Neste sentido, o Espírito Santo não é apresentado apenas como uma pessoa da trindade como as outras duas, mas na verdade ele é “criatividade, ação, sopro de vida, e o Espírito de Cristo” (pg. 101). No entanto, o autor não se arrisca a explicar o que ele quer dizer com essas palavras. A mesma confusão que há ao tentar explicar quem é Jesus e sua ligação com a trindade ocorre ao tentar entender quem é o Espírito Santo. Saryu (representando o Espírito Santo) diz que ela própria era o verbo. No entanto, a Bíblia faz distinção entre o Espírito Santo e o verbo: “Pois há três que dão testemunho [no céu: o Pai, a Palavra e o Espírito Santo]”; ou seja, a Palavra (o Verbo) não é o Espírito Santo e o Espírito Santo não é o Verbo. Cristo é o verbo, embora seja um com o Espírito.
6. Sobre os temas “relacionamento” e “amor”
Antes de tratar sobre a soteriologia do livro “A Cabana” é necessário olhar rapidamente para outro tema central do livro que é “relacionamento e amor”. Sabendo que estas palavras podem trazer um grande impacto nos leitores ele usa a palavra amor e seus derivados 93 vezes no livro, enquanto que a palavra relacionamento ele usa 77 vezes, enquanto que a palavra salvação não se 11 encontra nenhuma vez. No entanto, apesar de usar várias vezes esta palavra, ele não deixa bem claro o que ele quer dizer com elas. Ele usa frases que não quer dizer muito, mas que parece agradável, como por exemplo, explicando o que é amor ele diz: “Amor não é limitação. O amor é o vôo. Eu sou o amor” (pg 91).
Mas, ao usar essas palavras ele relaciona, na maioria das vezes, à salvação. Algumas vezes usa frases estranhas que não se encontra algum versículo bíblico que dê apoio, como por exemplo, num certo momento, Deus Pai diz a Mack:
Quero que esteja comigo e descubra que nosso relacionamento não tem a ver com seu desempenho nem com qualquer obrigação de me agradar. Não sou um valentão nem uma divindade egocêntrica e exigente que insiste que as coisas sejam feitas do jeito que eu quero. (pg. 116)
Na verdade, o autor transmite, com estas palavras, uma idéia errônea, ou seja, para que Deus seja amor ele deve deixar de lado sua soberania e poder. Em outro lugar do livro, Jesus aparece dizendo:
Já notou que, mesmo que me chamem de Senhor e Rei, eu realmente nunca agi desse modo com vocês? Nunca assumi o controle de suas escolhas nem os obriguei a fazer nada, mesmo quando o que estavam fazendo era destrutivo para vocês mesmos e para os outros? [...] Forçar minha vontade sobre a de vocês é exatamente o que o amor não faz. (pg 132)
O autor demonstra não conseguir relacionar poder, glória, honra, soberania e outros atributos divinos com os temas amor e relacionamento. Isso é refletido diretamente à sua visão sobre salvação, como será apresentado a seguir.
7. Sobre a Salvação
Young não trata diretamente sobre salvação, mas é possível ver seu pensamento sobre o assunto. No início do livro Mack conta uma história indígena que fala figurativamente do sacrifício substitutivo de Cristo na cruz. Esta mensagem é repetida no capítulo 11 em uma cena dramática no encontro de Mack com a personificação da sabedoria de Deus. Embora o capítulo 11 fale principalmente sobre a justiça de Deus, ao mesmo tempo ele procura mostrar o tamanho do amor de Deus para com os pecadores entregando seu próprio filho Jesus Cristo em favor deles. Ele mostra isso trazendo a emoção de auto-sacrifício em favor dos filhos (pg. 150). Tirando alguns pontos estranhos que são incluídos na cena, de maneira geral, a oferta sacrificial e voluntária de Cristo é transmitida, o que não está errado.
No entanto, alguns erros são cometidos pelo autor. Por exemplo, ao passo que ele demonstra o tamanho do amor de Deus pelos seus filhos, ele erra ao dizer que eles são merecedores do amor de Deus. Outro erro é dizer que a morte substitutiva foi para todos os homens. E mesmo que o Pai saiba quem irá aceitar ou não, Cristo morreu por todos, os que seriam salvos ou não. Por isso, ele chega a conclusão que a morte de Cristo foi para todos e por causa dela, Deus está reconciliado com o mundo todo (pg 180), entretanto, não é isto que a Bíblia afirma.
Algumas vezes até parece que ele quer transmitir a mensagem da doutrina da eleição falando de pessoas que para Deus são especiais (pg. 151). No entanto, a salvação que ele procura apresentar, vem de acordo com o pré-conhecimento de Deus (pg. 149), que não está ligada à predestinação ou eleição divina, já que o autor não crê na doutrina da predestinação, e sim na livre escolha do homem. Neste ponto é possível ver até algumas incoerências do próprio autor, pois ao mesmo tempo em que ele diz que todos são filhos de Deus e que todos são substituídos por Cristo na cruz, ele diz que depende do homem ser salvo. Ao mesmo tempo em que ele diz que Deus está reconciliado com o mundo todo, ele diz que depende do homem para completar a reconciliação (pg. 180), ou seja, Deus perdoou a todos, por isso não há condenação, mas nem todos aceitam o perdão (pg. 209).
Neste ponto, pode-se destacar também o processo de conversão que é apresentado. Ele mostra que somente em Deus há liberdade, mas que, por Deus ser amor, ele não pode forçar ninguém a aceitar esta liberdade (pg. 85).
Por isso, Deus é apresentado como um grande expectador empolgado que fica na expectativa de quando alguém irá aceitá-lo (pg 174). Ao falar de conversão, o autor exclui completamente o arrependimento para os pecados e a culpa dos homens de não servirem a Deus. Numa tentativa de mostrar o amor de Deus, o autor exclui a ira de Deus dizendo que Deus não castiga os pecados de ninguém, pois seu objetivo não é castigar, mas a sua “alegria é curar” (pg. 109). No meio de uma das conversas, Deus diz a Mack que ele não precisa sentir vergonha de seus pecados e falhas, pois ele não tem culpa de ter tido um pai ruim. Pois na verdade, Deus não usa nem a culpa nem a vergonha para encontrar a liberdade em Deus (pg 175). Mais ao final do livro ele reafirma este ensino dizendo que Deus não usa nem culpa, nem humilhação nem condenação (pg. 208).
Sua visão de salvação e processo de conversão não condiz com o ensino bíblico. Começando pelo fato de que a salvação é obra inteiramente de Deus e não do homem (Fp 2.13; Rm 9.18). Ele vai contra o ensino bíblico da depravação total do homem (Rm 1.20,21; 3.10,11); o ensino bíblico da eleição incondicional (Rm 8.29,30; Ef 2.5-9); o ensino sobre a expiação limitada (Rm 5.8; Ef. 5.25; Jo 10.15; Mt 1.21); e o ensino sobre a graça irresistível (Jo 6.37, 44; At 16.14). Analisando cada ponto apresentado pelo autor, pode-se perceber que o arminianismo é bem claro em sua soteriologia. Portanto, não há como comprovar biblicamente sua crença.
No entanto, há mais um ponto a considerar quanto à conversão. Ao dizer que Deus não quer que os homens sintam culpa, vergonha, humilhação ou condenação, ele tira toda a responsabilidade do homem de se arrepender de seus pecados. A Bíblia é clara quanto a necessidade de humilhação (Fp 2.5-8), sentimento de culpa e vergonha (Dn 9.4-19) e, portanto, a necessidade de arrependimento dos pecados (Mt 3.2; 4.17; At 3.19).
8. Cosmovisão: Criação, queda e redenção
8.1. Criação
Ao analisar a visão do autor sobre criação, queda e redenção, dificilmente se vê uma abordagem específica sobre estes temas. Mas, ao mesmo tempo é possível perceber que esses temas são trabalhados em torno dos termos “liberdade” e “dependência”. Até mesmo sua visão de criação se torna difícil de identificar, pois ela não está muito clara. O que pode ser destacado é que, para ele, Deus criou o mundo dependente dele e ao mesmo tempo livre para viver na trindade. Por conseqüência, o homem também foi criado em dependência dele e em amor com a trindade.
8.2. Queda
Quando ele apresenta a queda, ele diz que aconteceu no momento em que Adão resolveu ser independente de Deus (pg 206). Para ele, a queda veio ao mundo por um ato de rebeldia de Adão por querer esta independência e que por conseqüência perdeu a liberdade. Em uma das poucas vezes que ele cita a queda inicial ele afirma que a escolha de comer do fruto “rasgou o universo, divorciando o espiritual do físico” (pg. 123). Ele está correto ao afirmar que Deus já sabia que a queda já era de conhecimento de Deus, no entanto, ele erra ao dizer que não era o que ele queria que acontecesse.
Ele acredita que na queda toda a criação foi afetada pelo pecado e todos se tornaram pecadores. Ao tratar sobre a extensão do pecado ele comete algumas falhas. Por exemplo, para ele, toda instituição é conseqüência da queda seja ela casamento, religião, economia ou política (pg 166). Ele explica que toda instituição é uma demonstração da luta pela liberdade do homem. O autor comete um sério erro neste ponto, pois, o próprio casamento, por exemplo, foi instituído por Deus e antes da queda. Outro erro sério cometido pelo autor é sua sugestão de que o pecado atingiu mais aos homens do que às mulheres (pg. 135).
8.3. Redenção
Ao falar sobre a redenção ele deixa bem claro quando Mack pergunta sobre a solução para a queda. Ele responde que a saída é voltar-se para Deus, abrir mão dos hábitos de poder e manipulação e de tudo aquilo que agrada (pg. 134). Mais a frente ele diz que a redenção acontece com a morte de Cristo que tinha o objetivo de resgatar tudo o que o amor se propunha antes da criação (pg 179).
Em resumo, redenção é viver na trindade em amor e relacionamento com ela. Num determinado ponto, para mostrar que a solução única é o relacionamento com a trindade ele até sugere que nem é preciso ser cristão para ter um relacionamento com ele, pois ser cristão é aprisionar o homem dentro de um sistema. Para ele a pessoa pode ser budista, mórmon, batista, mulçumano ou qualquer outra coisa e ainda assim ter um relacionamento de amor com Cristo. Ele chega a afirmar que Cristo não quer tornar ninguém cristão, apenas se juntar a eles para entrar num processo de transformação de filhos e filhas de Deus (pg. 168,169).
Para o autor, apesar da humanidade estar seriamente corrompida pelo pecado, a redenção que Deus Pai deseja fazer com o homem agora será completa e plena no futuro, onde haverá uma restauração final (pg 151).
8.4. Cosmovisão: Conclusão
O que foi apresentado mostra que sua cosmovisão está bem distante daquilo a Bíblia realmente apresenta. De fato, existem alguns pontos de verdade, mas limitar tudo isto à relacionamento e amor é apenas uma visão romântica do plano redentivo de Deus. Na verdade, como apresentado nos pontos anteriores, o autor tem uma grande dificuldade de entender os demais atributos de Deus, como, por exemplo, soberania e justiça. Ele apresenta um Deus que se torna um expectador que só age na humanidade para tentar arrumar aquilo que o homem fez. Para ele Deus não age com soberania e supremacia; ele apenas conhece o futuro do mundo. Deus é apresentado como alguém que não tem controle da humanidade e por isso fica decepcionado com ela.
Ao falar de redenção, parece que seu maior objetivo é falar contra religião e não sobre a redenção em Cristo. E ainda, o autor parece não conhecer o verdadeiro significado de ser cristão, nem o que é ser filho de Deus, visto que um é conseqüência do outro. João utiliza boa parte de sua primeira carta mostrando que uma pessoa que vive em comunhão com o Pai deve andar na luz; e que este andar na luz significa abandonar a vida de pecado. O mesmo vai dizer Paulo que Deus escolhe seu povo para ser a imagem de seu filho e que para que isto aconteça é necessário liminar a vida de pecado. Quando Young fala sobre ter comunhão com Deus ele falha ao deixar de lado a necessidade de viver em santidade à semelhança de Cristo.
9. O problema da morte
A visão que o autor tem sobre a morte também possui graves problemas. Pode-se perceber que o autor possui algumas influências de outras religiões não cristãs sobre a morte. Por exemplo, no capítulo 11 o autor faz uma mistura de fantasia e crenças, onde uma figura misteriosa aparece e sugere a possibilidade de ter algum contato com os mortos durante os sonhos. Ao que parece ele sugere que isso é realmente possível acontecer (pg. 154). Mas é interessante que durante o desenrolar da história Mack e Missy (a filha morta) se comunicam de algumas formas, como por exemplo, ela dizendo “eu te amo” numa visão apresentada à Mack (pg. 154).
Missy, mesmo estando morta e habitando no céu, sente saudades do pai e até fica alegre com seu possível contato com ele (pg. 158); por vezes manda mensagens como, por exemplo, escolhendo as figuras do seu próprio caixão e até a música que deveria ser cantada em seu funeral (pg. 216).
É estranho que, apesar do autor se propor a mostrar que o consolo só é possível através do conhecimento verdadeiro de Deus, na história contada não é isso que acontece. Ele era consolado, não em Deus, mas ao saber que era possível ter algum contato com sua filha, ou até poder enterrar o corpo dela. Em outro momento, Mack tem um encontro com seu pai no meio de uma revelação “extraordinária” onde ele finalmente eles se reconciliam. Ou seja, seu consolo não está em conhecer a Deus como sugere no início do livro, mas está no fato de saber que seu pai e sua filha estão bem.
Conclusão
Este livro, apesar de se propor a explicar como funciona a trindade e de procurar consolar os leitores que passam por momentos difíceis, não pode ser considerado um livro com bases bíblicas. Todo o seu pensamento transmitido neste livro é formado baseado em experiências pessoais e não bíblicas. De fato é um livro impactante e emocionante, o que explica a grande aceitação por parte dos evangélicos. Mas ele não atinge seus objetivos principais de explicar corretamente acerca da trindade e também não mostra como ser consolado com verdadeiro conhecimento acerca de Deus. Este livro, portanto, tem pouco a ensinar sobre a verdade bíblica e não dá uma correta interpretação do mundo. Portanto, quando um leitor deste livro diz que encontrou a Deus somente depois da leitura deste livro, é possível questionar se o deus que ela encontrou é o Deus verdadeiro.
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Bibliografia pesquisada:
• BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. 2ª ed. Campinas: LPC, 1992.
• CAMPOS, Heber Carlos de. O ser de Deus e seus atributos. 2ª ed. ed. São Paulo: CEP, 2002.
• PINK, A. W. Os atributos de Deus. São Paulo: PES, 1985.
• WESTMINSTER, Assembléia de. Catecismo Maior. São Paulo, SP:
CEP, 1997.
• YOUNG, Willian Paul. A Cabana. Rio de Janeiro: Sextante, 2008.
• ______; Paul Young's Bio, 2010. http://windrumors.com/about/. 8 de
Março, 2010.
Notas:
[1] YOUNG, Willian Paul. A Cabana. Rio de Janeiro: Sextante, 2008.
[2] YOUNG, Willian Paul. Paul Young's Bio, 2010. http://windrumors.com/about/. 8 de Março, 2010.
[3] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. 2ª ed. Campinas: LPC, 1992. pg. 90.
[4] Jeremias afirma que o coração do homem é enganoso e desesperadamente corrupto (Jr 17.9). Portanto, não é de se estranhar o fato de Saul ter sido repreendido ao fazer algo seguindo o seu próprio coração (2ª Sm 15).
[5] “É triste ver tantos cristãos professos que parecem considerar a ira de Deus como uma coisa pela qual eles precisam pedir desculpas, ou, pelo menos, parece que gostariam que não existisse tal coisa”. PINK, A. W. Os atributos de Deus. São Paulo: PES, 1985. pg. 85.
[6] WESTMINSTER, Assembléia de. Catecismo Maior. São Paulo, SP: CEP, 1997. Perg. nº 109.
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Autor: Rev. Felipe Camargo
Divulgação: Bereianos
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