Fernando Khoury
Quanto mais conheço os cristãos, mais eu gosto dos seres-humanos.
Quanto mais conheço os seres-humanos, mais eu gosto do meu cachorro.
Se você é um cachorro mutante que aprendeu a ler, você certamente adorou essa frase!
Se você é um desses seres-humanos que amam cachorros e fazem de tudo por eles, você gostou mais dessa frase do que o seu próprio cachorro!
Se você é um ser-humano indiferente com cachorros, você provavelmente achou um absurdo um sujeito metido a escritor colocar pessoas num nível abaixo de um animal quadrúpede.
Agora, se você é cristão... imagino que a frase acima tenha causado em você um misto de surpresa, indignação e revolta. Mas a sua agitação tem razão. Afinal, como alguém ousa dizer que os cristãos não são sequer seres-humanos? E pior: são inferiores aos cachorros!
Calma. Não fique chateado comigo! Meu objetivo com essa rude frase foi apenas usar de uma estratégia estapafúrdia para te causar espanto e, assim, te chamar à reflexão. Logicamente, esta frase não é uma regra universal válida para todos os cristãos...nem para todos os seres-humanos...nem para todos os cachorros. Isso vale só para alguns poucos representantes dessas três categorias.
Pense comigo e veja se não é verdade.
Existem cachorros que têm atitudes muito mais humanas do que alguns seres-humanos: amam, são amigos fiéis, cuidam, dão carinho. Alguns, inclusive, são especialistas em salvar vidas, como o São Bernardo. Outros são especialistas em ajudar a viver, como os cães-guia de pessoas cegas.
Faça uma breve retrospectiva de sua vida: quantos acidentes de carro você já avistou sem sequer parar para resgatar e socorrer as pessoas acidentadas? Quantas pessoas com problemas de visão você já avistou se esforçando para atravessar a rua, sem sequer ajudá-las a passar pelo sinal? Está vendo? Por esse ponto de vista, existem cachorros melhores – bem melhores – do que seres-humanos.
É verdade que não são todos os cachorros que são assim. De fato, existem alguns cães que mordem, perseguem, maltratam e chegam até a matar uma pessoa. Com certeza você já ouviu falar, em algum momento, de uma criança vitimada pelo ataque de um Pitbull. A boa notícia é que, por esse ângulo, existem seres-humanos que estão em nível bem mais elevado do que alguns cachorros.
Da mesma forma, existem seres-humanos que possuem atitudes muito mais cristãs do que alguns cristãos: amam o próximo como a si mesmo, são honestos e íntegros nos seus negócios, são fiéis aos seus cônjuges, dão pão a quem tem fome... Enfim, são pessoas que sequer são seguidoras de Jesus Cristo, mas cujo comportamento honra e reflete mais a Cristo do que a conduta dos próprios cristãos.
Pense, por exemplo, em Gandhi. Esse homem – mesmo não sendo cristão – talvez tenha sido um dos seres-humanos que mais viveu a mensagem de Jesus Cristo. Líder espiritual, pacifista indiano e advogado, Gandhi foi o precursor da utilização da não-violência, da resistência passiva e da desobediência civil, utilizando a paz como estratégia de guerra para obrigar a Inglaterra a conceder a independência à Índia. Gandhi, muito mais do que a maioria dos cristãos, entendeu a principal mensagem do Cristianismo: o amor. Desta forma, por suas palavras e atitudes, ganhou a admiração e o respeito de ícones como Churchill, Einstein e Martin Luther King.
Contudo, também é verdade que não são todos os seres-humanos que são assim. Com efeito, existem seres-humanos que agem como os piores dos cachorros, mordendo, perseguindo, maltratando e matando outras pessoas. A má notícia é que são raros os cristãos que agem de forma diferente do que o pior dos cachorros ou o pior dos seres-humanos.
Na minha curta caminhada, já vi cachorros melhores do que seres-humanos e melhores do que cristãos. Também já vi seres-humanos cujas atitudes deixam qualquer cristão no chinelo, mas são piores do que cachorros. Vi cachorros mais cruéis do que seres-humanos, mas mais dóceis do que cristãos. Já vi cristãos que são verdadeiros cachorros, no pior sentido possível da palavra. E já vi cristãos – muitos cristãos – piores do que ambos. Sim, foram poucas as vezes que vi cristãos mais amáveis, mais amigos, mais fiéis e mais humanos do que cachorros e seres-humanos.
Não estou dizendo, com isso, que os cristãos devam ser perfeitos. Pelo contrário. Todos nós somos pecadores. O que tento dizer é que os cristãos devem buscar, a cada dia, a perfeição. Devem ter o desejo ardente de, a cada dia, se tornarem um pouco mais parecidos com Jesus Cristo. A impressão que me dá é a de que são poucos – muito poucos – os cristãos que ainda se entristecem quando entristecem o Espírito Santo, que ainda se envergonham quando envergonham o evangelho e que ainda não banalizaram o perdão e a graça de Deus. A esses poucos cristãos em extinção, rendo minha sincera admiração.
Como cristão que sou, falo isso com tristeza. Acontecem coisas dentro da igreja que até o mundo duvida. Logo nós, que deveríamos ser o espelho de Jesus Cristo aqui na Terra, embaçamos sua imagem com a sujeira de nossos pecados, fofocas, intrigas e brigas internas. Logo nós, que deveríamos refletir a luz de Cristo na escuridão do mundo, roubamos, matamos e destruímos, fazendo as trevas zombar de uma luz que mais anuvia do que ilumina. Roubamos a paz do próximo com o modo como agimos; matamos a alma das pessoas com as palavras que proferimos; destruímos o caminho, a verdade e a vida que deveríamos levar aos perdidos. Com muitas de nossas atitudes, usamos o nome de Deus em vão.
Com mais tristeza ainda, me lembro da resposta dada por Gandhi ao ser perguntado por que razão, mesmo sendo simpatizante do Cristianismo, havia rejeitado se tornar seguidor de Jesus Cristo. Sem titubear, Gandhi disse: "Eu gosto de Cristo... Eu não gosto é de seus seguidores. Seus cristãos são tão diferentes de seu Cristo".
Jesus está vendo o que os seus seguidores estão fazendo da mensagem que Ele deixou. Nós nos dizemos, com orgulho, seguidores de Jesus Cristo. Mas temo que Jesus não nos reconheça como seus reais seguidores. Eu temo que alguns cachorros pareçam mais com Jesus do que nós. Eu temo que alguns seres-humanos – mesmo sem conhecerem a Cristo – pareçam mais com Jesus do que nós.
Eu temo que a mesma boca que exalta a Deus seja usada para agredir e diminuir o próximo. Eu temo que a mesma mão que serve a Deus sirva para esbofetear o rosto do próximo. Eu temo que a luz que deveria iluminar o mundo esteja sendo ofuscada pelo legalismo hipócrita, pelo egoísmo dissimulado e pela santidade fingida e imunda de grande parte dos cristãos.
Quanto mais conheço os cristãos, mais eu me conheço. Quanto mais me conheço, mais eu amo Jesus Cristo. E quanto mais eu amo Jesus Cristo, mais aprendo a amar os cristãos, sejam eles cachorros ou não; sejam eles seres-humanos ou não. E é porque sinto esse amor que faço essa crítica em forma de texto. Porque se o amor de Cristo não causar transformação e novidade de vida em nós, é bem provável que alguns de nós se autodenominem cristãos sem nunca terem conhecido o verdadeiro Jesus Cristo.
Via: Genizah
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